Impactos da “Resolução Bancária” – a história do caso Banif

O Banif – Banco Internacional do Funchal, SA foi resolvido em 20/12/2015. Importa ponderar sobre os impactos desta solução política de resolução bancária. Será que existia base jurídica de suporte para a resolução? Será que a médio prazo é saudável para a economia portuguesa ficar dependente da Banca Espanhola (porque razão não surgem Bancos de outros Estados Membros)? Será que esta solução resolve os pilares do Capital, da Liquidez e da Rentabilidade do modelo de negócio bancário? Será saudável continuar a manter a Euribor como indexante dos atuais e dos novos contratos de crédito?

Accionista Horácio Roque

Recuemos um pouco na história para melhor compreendermos, ou não, a decisão das autoridades nacionais e europeias. Em 2006, Horácio Roque, accionista maioritário e chairman do Banif — Grupo Financeiro, tomou a decisão de celebrar os 20 anos de atividade, em 15/01/2008, por via de um rebranding, da renovação da cultura corporativa e do crescimento da capilaridade da sua rede comercial. No final de 2007, o banco era considerado o 7º maior a operar em território nacional, com 2,6% de marketshare. Em 2008, o Banif integra o “Global 500 Banking Brands Index”, que avaliou a marca em cerca de €57 milhões (346ª posição). Em finais de 2009, o grupo detinha 4,3% de marketshare e uma capitalização bolsista de €613 milhões, com notações rating de BAA1 da Moody’s e BBB+ da Fitch.

O que correu menos bem? Adivinhar é proibido! Depois do investimento no rebranding ter sido realizado (cerca de €20 milhões) e de terem sido abertas 150 novas unidades de negócio, eis que surge o inesperado: durante 2008 instala-se na Europa a crise do sub-prime, originada nos EUA, uma crise financeira que originou uma crise de confiança no setor financeiro, estagnando o mercado interbancário (a euribor, “ibor” – interbank offered rate, deixou de reflectir o custo do dinheiro, actualmente está mesmo negativa, com elevado impacto na rentabilidade das carteiras de crédito – o ativo dos Bancos) e, originando uma elevada crise de liquidez (com os mercados “fechados”, o BCE passou a funcionar como entidade financiadora, em troca de ativos elegíveis garantes desse mesmo financiamento. Problema? As carteiras de crédito ou estão securitizadas ou dadas em garantia ao BCE. Com o decorrer do tempo, a margem de manobra tornou-se cada vez menor, surgindo uma “fome de depósitos” generalizada). O crédito tornou-se caro e escasso, limitando significativamente a possibilidade de os bancos se financiarem. Para o Banif, em particular, representou também a dificuldade de rentabilizar, por via do crédito, as novas agências abertas. Finalmente, a crise financeira deu lugar a uma crise económica que, por sua vez, deu lugar à crise de dívidas soberanas. Após o “tsunami financeiro” despoletado pela crise do sub-prime, assistimos a partir de 2009 a um verdadeiro “tsunami regulatório”, por vezes esmagador do modelo negócio.

Os pilares da liquidez, de capital e de rentabilidade tornaram-se instáveis. A margem financeira ativa está condicionada pelo efeito da Euribor. A margem financeira passiva está condicionada pela dificuldade de funding no mercado. As comissões estão condicionadas por imposição legal, limitação da TAEG máxima do crédito ao consumo, limitação máxima das interchange fees dos shemes de cartões e a gratuitidade de serviço prestado na rede de ATMs nacional MB. É exigido também reforço de provisões para imparidades. Não menos importante, é exigido maior rácio de capital (os acordos Basileia I e II deram lugar ao acordo Basileia III, subindo os valores mínimos de capital e as margens de segurança para operar). Tudo isto, asfixia o modelo de negócio, colocando em risco a sua sustentabilidade. É pois fundamental garantir que o Setor Financeiro seja auto-sustentável e lucrativo. A Banca não pode ser um instrumento político de captação de votos eleitorais, sob pena desta instrumentalização partidária afectar de forma direta a relação desta com os seus clientes particulares e empresas, através dos quais flui a economia real.

Em Maio de 2010, Horácio Roque faleceu vítima de um acidente vascular cerebral. Esta lamentável perda torna o Banif – Grupo Financeiro órfão do seu líder e do seu accionista de referência. O Vice-Presidente, Dr. Marques dos Santos, assume a liderança do Grupo, até 2012, a data da chegada do Dr. Jorge Tomé.

Resgate Nacional

A 6 de Abril de 2011, chegou a Lisboa a troika – FMI, Comissão Europeia e BCE, para negociar um programa de ajustamento, para Portugal, em troca de um empréstimo de 78 mil milhões de euros em três anos. Desta verba, 12 mil milhões foram destinados à recapitalização da Banca Portuguesa (para resolver o lado do passivo do balanço, sem se resolver o lado do ativo, nomeadamente, saneando os créditos não preformantes). A troika solicitou à banca nacional um reforço adicional do rácio Core Tier 1 (que mede os requisitos de capital em relação ao activo ponderado pelo risco), para 9% em 2011 e para 10% no final de 2012, o dobro do exigido em 2008.

Em janeiro de 2013, por motivo de recapitalização, o Banif recebe a verba de mil e cem milhões de euros, 400 milhões em ““CoCo bonds” (obrigações convertíveis em ações, remunerados à taxa de 9,5%, a devolver até final de 2014) e 700 milhões de euros em acções (a devolver até final de 2017). O Estado torna-se nesta data accionista maioritário, detentor de 60,53% do capital social do Banif e com 49,37% dos direitos de voto. Esta medida procurou também assegurar que a utilização de fundos públicos, com carácter temporário, era limitada ao mínimo necessário. As entidades envolvidas, Banco de Portugal (BdP), Ministério das Finanças, Consultores e Administração do Banif (à qual acrescem dois administradores do Estado), após seis meses de negociação, assinaram o “catalog commitment”, um documento orientador da reestruturação a realizar, limitando também as distorções de concorrência decorrentes do apoio público. Em 9/1/2013, a agência Fitch mantém as notações de ratings de Longo Prazo em ‘BB’, de Curto Prazo ‘B’, de “Support Rating” em ‘3’ e o de “Support Rating Floor (SRF)” em ‘BB’.

As restrições de negócio impostas pela DGComp

A DGComp começou com a intenção de restringir a actividade do Banco ao mercado das Ilhas. Obviamente, que se tratava de uma ideia, pouco consubstanciada, uma vez que o Banco ficaria reduzido a um balanço de pouco mais de três mil milhões de euros, o que tornava inviável a devolução da ajuda de recapitalização referida. A ajuda estatal prevê uma remuneração muito elevada e desajustada face aos valores de mercado. O valor fixado para a taxa de juro de é de 9,5% ao ano. Significa que num ano, 400 milhões de euros, rendem ao Estado, em juros, o valor de 38 milhões de euros, a suportar pela conta de exploração do Banco. Para criar condições de equilíbrio com os outros concorrentes, que não beneficiaram de qualquer acção de recapitalização, ficou também definido que o Banif não trabalharia o segmento mass-market ou qualquer cliente dos distritos geográficos do interior do continente, o segmento da construção/habitação e, para qualquer operação de crédito, teria de garantir um ROE (Return on Equity) superior a 10%. Estas restrições são deveras limitativas, considerando que o segmento de particulares do país é tipicamente mass-market e que o rácio do ROE retiraria competitividade na captação de novas empresas, concretamente as existentes no sector de exportação.

Os aumentos de capital

Quanto ao objectivo de reforço de capital estabelecido para o Banco, este foi alcançado: a família Horácio Roque reforçou o seu capital em 100 milhões de euros e o Banif levantou, em mercado, 350 milhões de euros (captou cerca de 30.000 novos accionistas), a saber: 23 Jul 2013 – 100.000.000,00 euros – Oferta Pública de Subscrição (OPS); 05 Ago 2013 – 40.700.000,00 euros – Subscrição particular; 16 Out 2013 – 70.795.220,43 euros – Oferta Pública de Troca de Valores Mobiliários (OPTVM) e 4 Jun 2014 – 138.504.779,57 euros – OPS.

A saída limpa

Em 17 de maio de 2014, exatamente três anos depois, Portugal saiu do programa de ajustamento de forma “limpa”. A “saída limpa” era do interesse de todos. Pretendia-se provar que a austeridade era a melhor receita que se poderia aplicar a todos os estados membros (em especial aos países periféricos), para reciclar a sua economia. Diversos economistas defendem que “austeridade” e “crescimento do PIB” são impossíveis de conjugar, considerando, portanto, um erro estratégico na condução do destino europeu. O multiplicador de impostos no PIB tem sinal negativo, pelo que qualquer aumento de impostos tem sempre efeito reversivo no produto. O Governo português, para agravar a situação, cometeu outro erro estratégico, começando por actuar no lado dos proveitos (aumento de impostos) e só depois na despesa. Isto agravou o efeito recessivo referido.

Contudo, o ano de 2014 foi um pouco atribulado. Os interlocutores do dossier Banif mudaram quer no Banco de Portugal, quer no Ministério das Finanças quer, mesmo, o próprio Comissário da DGComp. No verão deste ano, o Banco de Portugal, resolve o BES e cria o Novo Banco. A resolução do BES obriga o Banif (exposição à Rio Forte) a constituir 120 milhões de euros de imparidades (o que lhe consome capital). Por este motivo, o Banif não consegue liquidar em Dez/14 a última tranche dos ““CoCo bonds””, no valor de 125 milhões de euros, por falta de autorização do Banco de Portugal (o Banif tinha liquidado a 1ª tranche, em 29/8/2013, no montante de 150M€ e a 2ª tranche, em 11/4/2014, pelo valor de 125M€). Posteriormente, nunca existiu, efectivamente, uma verdadeira pressão exercida pelas autoridades europeias e nacionais para a sua liquidação.

Em Dez/14, a nova comissária da DGComp escreve ao governo português sobre a necessidade de arranjar uma solução para o Banif (desta carta, o CA do Banif somente tem conhecimento em Mar/15). Durante este percurso, o Banco actualizou seis vezes o “catalog commitment” por forma a manter informadas as autoridades europeias e nacionais das reformas estruturais em curso. Caso o Banif, em Dez/14, tivesse sido ”resolvido”, seria o segundo Banco que, em menos de 5 meses, sofria semelhante medida aplicada pelo Banco de Portugal, o que seria devastador na agenda política Europeia e na de Portugal, em particular.

Em 24/7/2015 a Comissão Europeia deu início a uma investigação aprofundada tendente a apurar se o investimento de 1.100 milhões de euros do Estado Português no Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A. (‘Banif’), no âmbito da respectiva recapitalização, em 2013, foi compatível com as regras da União Europeia referentes a auxílios de Estado http://europa.eu/rapid/press-release_IP-15-5439_en.htm .

As contas no triénio 2012/2015

Durante o triénio Jun2012/Jun2015, o produto bancário decresceu 20 milhões de euros. A margem financeira ativa reduz-se pelo efeito da acentuada descida da Euribor (inclusive atingiu valores negativos que devora o spread, enquanto este existir) e pela redução crescente das carteiras de crédito que apresentam já alguma maturidade (o serviço de dívida é elevado e não é compensado por novas operações de crédito, seja por motivos imputados ao contexto económico seja por motivos de restrições impostas pela DGComp). A margem financeira passiva contribui para que o impacto global na margem não fosse tão acentuado. A redução do custo de funding foi fundamental para combater a pressão na margem do crédito efectivamente cobrada. As comissões decresceram por via da perda de clientes ativos (alguns por razões de restrições comerciais impostas pela DGComp, o caso dos clientes mass-market do continente), pela originação reduzida de novos negócios e pelos impactos das próprias medidas regulatórias (limitação de comissionamento diversa). Os custos operacionais decresceram cerca de 13 milhões de euros, fruto da redução do número de agências não rentáveis (+/- 150 UNs), de colaboradores através de rescisões por mútuo acordo (+/- 700) e de diversas medidas de racionalização de custos (a externalização de actividades não core).O Banif apresenta, em Junho de 2015, um resultado líquido de 16,1M€ (representa um sinal positivo), após um período de três anos de resultados acumulados negativos. O Banco ajustou, significativamente, a sua dimensão de volume de negócios, passando de 17 mil milhões para 14 mil milhões (um decréscimo de 3 mil milhões de euros). O rácio de transformação de depósitos em crédito passa de 122% para 106%, um dos mais baixos do mercado. O Banco mantém o seu rácio de capital na ordem dos 8,4% (a DGComp/BdP exigem 9%). O Banco devolve cerca de dois mil milhões de recursos do BCE e liquida 275 milhões de “CoCo bonds” e dos respectivos juros a 9,5%. Assegura a estabilidade da liquidez. O Banco cresce 940 milhões de euros em imparidades e em número de imóveis não afectos à exploração (cerca de 1,5 bilião de euros). Este era o problema mais significativo para resolver.

O 4º trimestre de 2015

Em 18/9/2015, o Banif apresenta a oitava revisão do plano de reestruturação à DGComp, versão recebida com elevado agrado, que resulta numa reunião conjunta realizada, em 8/10/2015, com as autoridades nacionais. Em 20/11/2015, o CA do Banif e o Banco de Portugal definem o calendário de venda. A CMVM, pelo motivo da elevada volatilidade das acções do Banif, solicita esclarecimentos ao Banif que este, em 11/12/2015, em comunicado público, informa que “à presente data, o Banif tem em curso um processo de venda estruturada de activos real estate e non performing loans, integrado no seu Plano de Reestruturação (…) ”. Em 13/12/15, em rodapé de programa desportivo da TVI 24 é anunciado que o “Banif poderá ser intervencionado esta semana” e que “vai haver perdas para os acionistas e depositantes acima dos 100.000 euros e muitos despedimentos”. Entre 14/12 e 18/12 verifica-se uma corrida aos depósitos no valor de 980 milhões de euros. Ainda assim, a CMVM considera existir informação suficiente que justifique a manutenção da negociação das acções do Banif em bolsa (nesta fase, assistiu-se a uma descida abrupta do título e a uma elevada especulação). Contudo, o Banif é obrigado a recorrer à linha de emergência (só concedida a Bancos solventes). Nenhum banco sobrevive sem liquidez perante uma corrida aos depósitos. Esta situação colocou o Banco refém da decisão das autoridades nacionais e europeias.

A decisão da resolução

A resolução de um Banco de média dimensão está na agenda política da Europa, a União Bancária, pelo que se trata de uma oportunidade para dar mais um passo nessa visão de União Bancária. A aproximação do final do ano e, simultaneamente, das novas regras de “bail-in”, que prevê que os depositantes do banco “Resolvido” que tenham mais de 100 mil euros sejam obrigados a converter esses depósitos em capital, faz aumentar a pressão das autoridades envolvidas para a tomada de uma decisão. O período de apresentação de propostas de compra do Banif (processo formal estruturado), com vista à selecção de um investidor estratégico, que substitua o Estado Português (accionista com 60,5% de capital), decorre normalmente dentro do prazo que estava previsto. O Banif informa, em comunicado, no dia 18/12/2015 (o dia limite para entrada das propostas), que foram “recebidas, nesta data 6 (seis) propostas de aquisição da referida participação, as quais irão agora ser cuidadosamente analisadas pelo Banco e pelo Estado Português. Em 20/12/2015 é anunciada pelo Primeiro-ministro, para surpresa de todos, concretamente, para o próprio CA do Banif e para todos os seus Colaboradores, a venda da atividade do Banif ao Banco Santander Totta, no quadro da aplicação de uma medida de resolução ao Banif. A confiança no País volta a ser posta em causa pelos mercados.

Os critérios da decisão são totalmente desconhecidos. Restam somente muitas interrogações. Não se compreende por que razão não foi dado seguimento à avaliação das propostas apresentadas. Não se compreende o privilégio que foi dado ao Santander. Não se compreende a recomendação de desistência da corrida à compra do Banif, feita pelo Banco de Espanha ao Banco Popular. Não se compreende por que razão o negócio com o Santander foi realizado em moldes diferentes da proposta. Não se compreende a ausência de divulgação das diferentes propostas para avaliar o que cada proposta representava para o Banco e para cada um dos restantes stakeholders. Não se compreende por que razões as autoridades (DGComp, BdP e MF) discutem, desde 17/11, a eventual resolução do Banif (os comunicados da DGComp e do BdP, em conjunto com a notícia TVI, ajudam na “corrida ao Banco”, que comprometeu a sua liquidez). Não se compreende como é possível a DGComp considerar em 18/12 que a ajuda ao Banif pode não ser legal (encontrava-se em curso um processo de auditoria) e, em 21/12, após a Venda ao Santander, considerar que já não tem dúvidas sobre a legalidade da ajuda ao Banif e considerar legal a medida de resolução do mesmo (a competência de liquidação é do Tribunal Cível, a competência de resolução é do Banco de Portugal e a da Venda deveria ser dos Accionistas). Não se compreende por que não são apresentadas as contas do Banco antes e após a Resolução, assim como, os respectivos impactos no Santander (com inclusão dos impactos nos rácios Core Tier 1, Solvabilidade e Alavancagem de ambos os Bancos). Finalmente, não se compreende como é que uma decisão tão importante é tomada num simples fim-de-semana.

Qual a sustentação Jurídica da decisão? São conhecidas as condições de aplicação de medida de resolução: CoreTier1 -min 4,5%, Banif tem 8,5%; Solvabilidade – min 8%, Banif tem 9,5%; e, Alavancagem- min 3%, Banif tem 5,9%. O Banco (de capital maioritário Estatal) não estava insolvente e apresentava-se devidamente capitalizado. Mantinha somente o incumprimento dos ““CoCo bonds” (125M€). Incumprimento que resultou, como foi referido pela constituição de provisões para imparidades, no valor de 120 milhões de euros, para cobertura da exposição ao BES (Rio Forte), aquando da sua resolução.

Concluímos que a DGComp não tinha competência para a resolução. Acresce o facto de ela própria não ter terminado o processo de investigação que tinha instaurado ao Banif sobre a legalidade da recapitalização de 2013; o Banco apresentava rácios de funcionamento sólidos e apresentava-se solvente. Inclusive, apresentou lucros no segundo e terceiro trimestres e uma situação líquida positiva de 600 milhões de euros; a devolução dos 700 milhões de euros ao accionista maioritário estado deveria ocorrer até final de 2017; o Banif teve acesso à linha de emergência, para enfrentar a “corrida aos depósitos”, no valor de mil milhões de euros, ajuda pública que só é concedida a bancos solventes; as decisões consecutivas, por um lado, das autoridades BCE/DGComp/BdP/Governo Português, em 20/12, sobre a Resolução do Banif e, do BCE, em 21/12 (dia seguinte), sobre a aprovação do plano de reestruturação do Novo Banco e a extensão do prazo de sua venda em mercado (3/8/2017). Estranho, não parece?

A Oitante – veículo de liquidação

A Oitante – veículo de liquidação com capital subscrito pelo Fundo de Resolução integra os colaboradores das direcções centrais “fora do perímetro de compra” e os activos do ex-Banif, nomeadamente, o BBI, a Açoreana, os imóveis Banif, os “non performing loans”. A decisão de subavaliação extrema dos ativos do ex-Banif que transitaram para esta sociedade veículo, faz perspectivar, num futuro próximo, a realização de mais-valias que capitalizará o próprio Fundo de Resolução.

Esta sociedade será fornecedora de serviços de integração ao Santander, uma tarefa que ficará a cargo dos colaboradores das direcções centrais do Ex-Banif, serviços estes que serão facturados ao Santander. As carreiras destes 501 colaboradores ficaram muito comprometidas, diria mesmo “resolvidas também”, com a decisão da medida de resolução aplicada ao Banif. O seu futuro passará pela procura de um novo desafio profissional (na área da Banca ou outra). A decisão sobre este grupo de colaboradores é discriminatória considerando três dimensões, a saber:

 – instituição de crédito – o comunicado do Banco de Portugal, de 3/8/2014, refere que  “ Todos os colaboradores do BES passam a ser colaboradores do Novo Banco, com salvaguarda dos seus direitos.” A medida de resolução aplicada ao Banif é omissa quanto aos colaboradores;

– função desempenhada – a medida de resolução bancária do Banif discrimina a integração de colaboradores Banif no Santander, considerando somente os colaboradores dos serviços comerciais (front-office) em detrimento dos colaboradores das direcções centrais (back office);

– geográfico – a medida de resolução bancária do Banif discrimina a integração de colaboradores dos serviços centrais do Banif no Santander, considerando somente os serviços centrais das ilhas em detrimento dos existentes no continente.

Obviamente se depreende que quanto mais depressa decorrer a integração menor será o custo a suportar pelo Santander pelos serviços prestados pela Oitante. Após o “desligar das fichas”, entendam-se colaboradores que vão deixando de ser necessários com o decorrer da integração, o custo destes passará a ser uma preocupação da Oitante. Para resolver esta situação preparam-se contratos de “rescisão de mútuo acordo”, ou de um eventual despedimento colectivo, para todos os colaboradores sem exceção. Não deveria o Estado Português, enquanto Estado de Direito, defender o direito ao trabalho? Afinal de contas, o colaborador “resolvido” é também accionista, obrigacionista, cliente e contribuinte.

Impactos da resolução

A decisão de Resolução tem elevado impacto na atractividade do País, no Setor, dos próprios Bancos e para os próprios Colaboradores das Direções Centrais (os que ficaram fora do perímetro de compra). O nosso País apresenta um mercado com procura equivalente a uma grande cidade mundial. A sua população, 10 milhões de habitantes, tem um reduzido poder de compra face aos reduzidos salários pagos. A carga fiscal sobre empresas e trabalhadores é muito elevada o que reduz a atractividade de investidores ou de mão-de-obra estrangeira. O empreendedorismo fica também prejudicado pela complexidade e custos de operacionalização de um negócio. Será que resolver bancos vai tornar o nosso País mais atractivo para os investidores estrangeiros?

O modelo de negócio do sector bancário, o suporte da economia, está pois deveras ameaçado. A estrutura do ativo está muito exposta a dívida de médio e longo prazo, seja por via de crédito concedido seja por via de crédito reestruturado. O proveito financeiro deste financiamento está muito exposto à Euribor, negativa ou próximo de zero, desde há cerca de 5 anos, comprometendo, desta forma, o contributo da margem financeira ativa para o produto bancário. Os valores aplicados em provisões e imparidades continuam muito elevados. A quantidade de imóveis, não afetos à exploração, recebidos em dação por incumprimento de dívidas, compromete fortemente a liquidez (não se financia a economia com “tijolo”) e são geradores de elevada despesa (IMI, Condomínios, Seguros, Obras de Condomínio, Avaliações regulares, Obras de reparação de atos de vandalismo, vigilância, etc). As exigências regulatórias de consumo de capital e de liquidez são cada vez maiores. A taxa de juro de crédito ao consumo, é revista trimestralmente pelo Banco de Portugal, inviabilizando a aplicação de correctas políticas de fixação de preço (que deve reflectir custos de funding e de risco de crédito). O comissionamento é também fortemente regulado (por ex. o caso da redução das interchange fees de cartões de débito e crédito; a gratuitidade do serviço de valor acrescentado prestado em ATMS). A capitalização bolsita decresce 10 a 15 vezes o seu valor, em pouco mais de 5 anos, a inexistência de dividendos, ROE e ROI negativos, são razões, por si só suficientes, para afastar os investidores deste tipo de actividade económica. Será que as decisões de resolução recentes (um verdadeiro laboratório europeu de experimentação de resolução bancária) não representam uma ameaça para os mercados, que já equacionam não financiarem a Banca e, para o Investidor, que tem cada vez menos atracção pela actividade bancária? Em qualquer sector da economia pretendemos ver salvaguardado o retorno dos investimentos e a Banca não é exceção.

O Banif, à semelhança dos outros Bancos, sofria dos mesmos problemas de atractividade acabados de mencionar para o sector. No caso particular do Banif, identificavam-se vários aspectos positivos a considerar na sua avaliação: a posição dominante das ilhas; o segmento de emigração; a própria marca Banif; a fidelização da clientela; os seus colaboradores; a oferta de produtos; os resultados operacionais positivos; e, os reportes fiscais decorrentes dos prejuízos obtidos nos anos transactos. Várias ameaças, no entanto, existiam: a necessidade de substituição do accionista Estado (que, na prática, substituiu o Comendador Horácio Roque) por novo accionista com visão estratégica de negócio e a libertação das restrições de exercício de negócio, impostas pelas DGComp, que comprometiam em muito a alavancagem do produto bancário. Para encontrar novo accionista era também necessário que a DGComp assinasse em definitivo o acordo de reestruturação, cujas medidas foram antecipadas em dois anos. Será que as contrapartidas impostas pelas autoridades (DGComp, BdP) facilitaram a atractividade do Banif na procura de novo investidor que se substituísse ao Estado? Não, pelo contrário, só piorou.

Conclusão

A Europa desespera com a incapacidade de supervisão e regulação bancária.

O quadro de supervisão é inúmeras vezes referido como sendo o elemento essencial para assegurar o equilíbrio e a estabilidade do sistema. Assiste-se cada vez mais ao emagrecimento dos quadros do sector bancário pela via dos acordos de rescisão amigáveis (“perda de know-how especializado”), da sua capilaridade por via do encerramento de balcões, da resolução bancária (os bancos maiores vão “engolindo” os de menor dimensão) por via da resolução de bancos garantindo aos compradores o risco de negócio com capitais públicos, enfim, um conjunto de infindáveis situações que comprova que o modelo existente não responde às necessidades do sector nem da própria economia.

A Banca portuguesa continua doente.

Os ativos da Banca (créditos concedidos) resultam da conversão das poupanças (os depósitos dos clientes), essencialmente, compostos pelo financiamento de imóveis – bens não transaccionáveis (as habitações de todos nós), com indexação à Euribor, taxa que se apresenta negativa, não gerando qualquer retorno financeiro e deixando por esta via de dar cobertura ao risco de crédito. Os bancos são actualmente as maiores imobiliárias do país por via da propriedade dos imóveis que detêm, mencionados como não afetos à exploração. O crédito mal parado resulta do incumprimento dos clientes, particulares e empresas, que não liquidam atempadamente as suas dívidas. O próprio estado, à data do pedido de resgate nacional devia à banca uma quantia superior a 50 mil milhões de euros, por via das suas empresas públicas. Curiosamente, ao invés de liquidar as suas dívidas, disponibiliza-se para capitalizar a banca (com dinheiro obtido no próprio resgate), tornando-se nalguns casos accionista maioritário, como foi o caso do Banif. Trata-se de uma situação insólita, não será?

Os colaboradores ficam fragilizados.

Este é um conjunto de pessoas que representa um “número”, número que não interessa comentar. São fruto de mais uma decisão (política e das autoridades nacionais) que discriminou, sem qualquer critério com enquadramento constitucional, um conjunto de postos de trabalho (entendidos enquanto carreiras profissionais). Resumidamente, uma decisão com tratamento diferenciado, arbitrário e meramente circunstancial que atenta contra o direito salvaguardado nos contratos de trabalho, e, contra o futuro dos trabalhadores.

O enquadramento político do País/Europa entristece profundamente.

No final do dia, todos ficam impunes no que se refere à responsabilidade da decisão da medida de resolução sobre o Banif. O Banco Central Europeu (BCE) / DGComp remete para o Banco de Portugal; O BdP remete para o BCE/Governo; O Governo remete para o BdP…, e não saímos disto. Trata-se de situações irreversíveis, com impacto financeiro em unidade de “milhão de milhões” de euros no OE e, de forma direta e indireta, junto dos diversos stakeholders relacionados (País / Estado / Contribuintes / Clientes /Accionistas  / Colaboradores “fora do perímetro” / Obrigacionistas / Fornecedores / Participadas/ etc), que não é refletida convenientemente e tende a ficar esquecida.

Nota: republicação do texto original publicado em 21/03/2016.

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