Na sua essência, a actividade bancária baseia-se na captação de fundos aos agentes económicos aforradores e na sua canalização para os agentes económicos investidores (esta actividade é designada por intermediação financeira). Os agentes recebem e pagam juros, respectivamente, em função dos acordos, prazos e riscos estabelecidos, ficando o banco com o diferencial entre as margens passivas (pagas sobre depósitos) e activas (recebidas sobre os créditos), designado por margem financeira. A esta margem devemos acrescentar o comissionamento sobre os serviços bancários prestados, obtendo assim o produto bancário, a receita que deve garantir todos os encargos de funcionamento, as amortizações (desgaste das imobilizações), as provisões (por ex, “crédito mal parado” / imparidades de crédito), a tributação sobre lucros, a constituição de reservas e a remuneração dos accionistas (através do pagamento de dividendos).
Que se passou nos últimos anos? A procura de financiamento bancário foi superior à capacidade de aforro dos agentes económicos (o limite do que se pode emprestar sob a forma de crédito), pelo que, os bancos, enquanto empresas com capacidade de endividamento, tomaram eles próprios divida, para poderem ajustar a sua oferta às solicitações de mercado (estado, empresas e particulares). Os produtos de titularização / securitização, ajudaram na obtenção de liquidez e na ilusão de repasse de risco de crédito para terceiras entidades (os compradores das carteiras de crédito). O resultado? O atual gap no rácio de transformação de depósitos (crédito / recursos) se situar na ordem dos 150%. (deverá ser de 120% em final de 2014, conforme negociado com a troika).
O mercado crescia assim, a ritmos de endividamento não controláveis, no que respeita, a destino de financiamento e em quantidade financiada, suportada pela alavancagem (tomada de divida para financiar mais divida) e pela conjuntura favorável de baixas taxas de juro e de inflação. Digo não controláveis, pois não se “regulou” a excessiva concentração de financiamento (recursos da economia) no setor não transaccionável e, não se monitorizou, a adequação do crescimento da divida em relação ao crescimento económico do próprio país.
Entretanto, sabemos também, que a crise do sub-prime (EUA), foi uma crise financeira, que contagiou fortemente a Europa, criando uma crise de confiança no setor financeiro, que estagnou o mercado interbancário e originou uma elevada crise de liquidez. A euribor (“ibor” – interbank offered Rate) deixou de refletir o custo do dinheiro, a escassez de liquidez torna escasso o crédito e, o preço final praticado ao cliente sobe, como é óbvio. Por esta via, a crise financeira deu lugar a uma crise económica, por sua vez, deu lugar à atual crise de dívidas soberanas. O que é uma crise de liquidez será agora uma crise de solvência? (É o que se passa com a Grécia. Who’s next?).
Como fica então o atual modelo de negócio bancário?
A banca financia-se diretamente nos mercados e, na captação de poupanças dos agentes económicos (os seus clientes).
Com os mercados “fechados”, o BCE tem funcionado como entidade financiadora, em troca de ativos elegíveis garantes desse mesmo financiamento. Problema? As carteiras de crédito (os principais ativos) ou, estão securitizadas ou dadas em garantia ao BCE. Com o decorrer do tempo, a margem de manobra, é pois, cada vez menor. Restam pois, os depósitos dos clientes (por isso, o peso dos depósitos dos clientes aumenta no financiamento dos bancos). A pressão na liquidez provoca uma “fome de depósitos” generalizada do setor.
Recentemente, verificou-se uma transferência das poupanças dos clientes de fundos de investimento, acções e certificados de aforro, aproveitando a euforia das taxas elevadas dos depósitos a prazo para os Bancos (considero um sinal deveras positivo, no que respeita à manutenção da confiança dos clientes). O aumento de depósitos de clientes em balanço de bancos, não é pois, sinal de maior vigor na capacidade de aforro da economia. As poupanças são escassas, porque os agentes económicos não têm capacidade de gerar poupança. Veja-se os baixos resultados das empresas (resultantes da diminuição da procura / queda de consumo) e a diminuição dos rendimentos líquidos disponíveis das famílias (resultantes das medidas de contracção económica).
O preço alto dos depósitos a prazo gera taxas mais altas na concessão de crédito. As novas operações são diminutas (orientações de desalavancagem, redução da procura e degradação de risco do clientes), pelo que, o preço impacta, na atual maioria dos casos, aquando as renovações de linhas de crédito ou reestruturações de carteira de crédito do cliente.
Depósitos a taxas mais altas e a ausência de novo crédito, provocam degradação da rendibilidade na margem financeira, podendo nalgumas carteiras, ser já mesmo negativa. A ausência de novo crédito, provoca também uma redução na cobrança de comissões, inerentes à própria análise e concessão de financiamento. O produto bancário é pois menor, pela via da degradação da margem e das menores comissões cobradas. Esta degradação da receita pressiona os rácios de capital, cada vez mais exigentes de acordo com os critérios de Basileia.
Pensemos agora no financiamento das carteiras de crédito hipotecário. A banca financiou a mlp (prazos de 30 a 50 anos), com funding de cp (até 5 anos). A renovação do funding de cp que está alocado ao financiamento dessas carteiras de crédito mlp (Crédito Habitação e Construção), é negociado a taxas mais altas, sem que se possa transferir este custo para o cliente, via euribor (não está a refletir o “custo do dinheiro”). Esta situação vai originar margens financeiras negativas ao cruzarmos o custo do funding e as receitas da sua aplicação em crédito (matching). No entanto, questiono, se a euribor subisse, refletindo o custo atual do dinheiro, que impacto teria nas provisões de “crédito mal parado”, tecnicamente, nas imparidades?
Pensemos agora no impacto da degradação económica (falências, insolvências, desemprego, redução do rendimento líquido disponível, ausência de crescimento económico) no bom cumprimento das carteiras de crédito. É certo que o “malparado” se vai manter em alta, pelo que, afeta duplamente a conta de exploração dos bancos: na perda de cash flow regular e na necessidade de constituição de provisões / imparidades. A ausência de recuperação de capital, incluídos no serviço de dívida, não o libertará para a redução do gap e/ou financiamento da economia.
Façamos ainda uma reflexão sobre a especulação sobre o preço das acções em bolsa do setor financeiro. O risco de incumprimento da divida soberana, afeta o rating do país e, por arrasto, dos bancos. O preço do funding sobe e a desvalorização do valor da ação é de imediato incorporado nas transações de mercado em bolsa. Uma excessiva desvaloriazção da capitalização bolsista tem impato na perda de valor do capital social dos bancos, quando valorizados market-to-market. A solvabilidade pode estar em causa. Parte da recapitalização anunciada servirá então, não para financiar a economia, mas para repor as perdas do valor de capital social, “alimentando” os ditos mercados especuladores. Não deveríamos privilegiar as transações económicas em detrimento das especulativas? Por devem os bancos manter-se em bolsa? Como seria se a CGD estivesse cotada em bolsa? Porque devemos manter a exposição ao short sale (vendas a descoberto)?
A banca financiou as empresas públicas em cerca de 50 biliões de euros. O setor financeiro português tem um gap de 40 biliões de euros ( o valor exigido para reduzir o gap para 120%). Porque se pede uma recapitalização e não se exige a liquidação das dívidas das empresas públicas? O problema estaria resolvido.
Porque se pede ao setor financeiro que se recapitalize e venda os seus ativos “não core”? Porque não se pede às empresas que se recapitalizem e vendam também os seus ativos “não core”? Parte destes ativos estará na mão dos sócios, em imóveis e outros investimentos, que resultaram na descapitalização das empresas (pela via de distribuição de resultados em detrimento de reinvestimento).
Falamos também que a banca tem capacidade excedentária. Surgem soluções como redução de agências e de pessoal. A banca melhorará certamente, enquanto empresa, pela via da redução de custos operacionais. E a economia, melhorá no seu todo?
Com o excesso de críticas ao setor financeiro e, pelas condicionantes de mercado desfavoráveis, o ROE é cada vez menor. Procurando impor restrições de pagamento de dividendos e acréscimo de carga fiscal extraordinária, como consideram ser possível atrair novos investidores (alargarmento da base accionista, que facilitaria a recapitalização)?
Pelas inúmeras razões expostas pergunto: até quando resistirá o modelo de negócio atual, no mlp (garante da sua sustentabilidade)?
Que solução? Penso que é claro que as exportações deverão crescer, com impato direto na balança de transações correntes. Também será expetável que os empresários antecipem a queda do consumo interno e, diversifiquem a sua facturação, para mercados internacionais. Então, deveria ser prevísivel uma estratégia de cooperação entre o estado, as empresas e o setor financeiro, na abertura de linhas crédito de apoio à exportação, criando também incentivos fiscais proporcionais ao peso das exportações no volume de faturação. Seria benéfico para todos. Para o Estado (porque aumentar as exportações e criar emprego é a base do crescimento económico), para as empresas (pela obtenção do financiamento necessário ao desenvolvimento do negócio) e para a banca (porque permite rentabilizar, pela via do crédito, a preços moderados, como é obvio, o custo atual do funding e o aumento das imparidades). Certamente, deveria-se renegociar, a redução do gap, pela concessão de mais dois anos(?).
Nota: republicação do texto original publicado em 07/11/2011.