O surgimento polémico do euro, uma moeda única em circulação, eliminou os encargos com a transação de divisas (moeda estrangeira) e as diferenças cambiais (risco cambial implícito), garantindo uma maior estabilidade de preços e uma redução das taxas de juro, com benefícios para a economia (estado, empresas e famílias). O principal senão, foi a perda de intervenção de cada estado, em matéria de política monetária, que deixou de poder desvalorizar a moeda com o objetivo de tornar as suas exportações mais competitivas. Também resultaram restrições em matéria orçamental, que limitam a condução de políticas económicas dentro de cada estado-membro (défice público não superior a 3% do PIB e total de divida pública inferior a 60% do PIB).
A vantagem de uma moeda única que congrega, em simultâneo, baixas taxas de juro (a redução do prémio de risco foi benéfico para os países mais endividados), reduzidas e estabilizadas taxas de inflação e, elevada credibilidade da própria moeda euro (garantida pelas economias alemã – marco alemão, francesa, italiana e espanhola), criou um ambiente facilitador na obtenção de crédito (expetativa de que a nação mais forte resgata a mais fraca) e de realização de transações internacionais com outros mercados mundiais (credibilidade de pertença ao euro valoriza positivamente o país aderente).
Basicamente, vários interesses convergiram: a Alemanha podia exportar mais (a economia mais bem estruturada e competitiva), a França ocupa posição no “novo estado central” (Bruxelas), o euro substitui o marco alemão (as outras economias não podiam mais competir, pela desvalorização das suas moedas, face ao marco), os fundos comunitários são direcionados para os países menos desenvolvidos em troca destes importarem mais às economias financiadoras, os países periféricos do sul, têm acesso a elevadas quantidades de crédito a preço muito reduzido e idêntico aos restantes países da eurozona, a cooperação monetária entre FED e BCE melhora e, foi conferido maior poder à classe política dirigente. Um verdadeiro paraíso político-económico.
Quando tudo parecia correr tão bem o que pode ter corrido tão mal? Vejamos:
- Cada estado membro, pode politicamente, promover políticas económicas facilitadoras e ganhadoras de eleições (visão de curto prazo): aumento de salários, contratação de funcionários públicos, aumento da despesa pública de investimento (“apresentar obra”), sem se preocupar com o crescimento económico, saldo desfavorável da balança comercial e perda de competitividade. O endividamento tornou-se a melhor alternativa política, expansionista, para financiar uma despesa maior, evitando a impopularidade do aumento de impostos, variação da taxa de inflação ou de reformas estruturais penalizadoras de votos eleitorais. A criatividade na desorçamentação torna-se evidente quando olhamos o perímetro de toda a divida publica – faturação em trânsito, empresas municipais, parcerias público privadas e outros que, quando agregada, ultrapassa o limite de 3% estabelecido de défice público e os 60% do PIB, como limite de divida pública. Esta visão está a comprometer as gerações atual e futura. Porquê? A perda de competitividade traduz-se na redução de atividade, na falência de empresas e no aumento de desemprego. O excesso de divida obriga os devedores (contribuintes do Estado) a afetar parte do seu rendimento futuro à liquidação de divida, sendo assim uma parte da sua poupança futura absorvida pelo acréscimo de juros (representam nesta data mais de oito mil milhões de euros, o equivalente à despesa do Estado em Saúde).
- A população julga-se mais rica porque o aumento de despesa visível do estado (correntes e investimento), não advém de aumento de impostos ou outras soluções penalizadoras do seu bem-estar (o povo não sente o efeito imediato, do financiamento da despesa, com divida). Cria-se o efeito ilusório de que a riqueza do país é maior, quando na prática, não resulta de melhoria de produtividade. Por outro lado, a capacidade de endividamento individual também aumenta – capacidade de reembolso do serviço de divida, não só por acréscimo salarial desproporcional à produção, mas em grande parte, pelo efeito da forte redução da taxa de juro. A melhoria no acesso ao crédito, resulta em explosão do crédito habitação e de consumo. As importações aumentam assim como as transferências de capital para o exterior, sem se verificar a respetiva compensação no aumento de poupança interna, agravando o estado global da economia (o povo mantém o pensamento de que se vive melhor, mantendo-se o ambiente favorável à classe política dirigente).
- Como satisfazer a elevada procura de crédito sem a correspondente taxa de poupança resultante de uma maior criação de riqueza? Os bancos geram dinheiro novo através da expansão do crédito (efeito multiplicador de massa monetária). Vejamos, o estado emite obrigações que são compradas pelos bancos que, por sua vez, as usam para obter financiamento junto do BCE. Os governos financiam assim a sua despesa com dinheiro criado pelos bancos e os bancos recebem massa monetária nova apresentando as obrigações como colateral. Os bancos ganham o diferencial entre a taxa de juro a receber do estado e a taxa de juro pagar ao BCE. O financiamento de despesa de investimento de médio e longo prazo é financiado por instrumentos financeiros de curto prazo, a taxas reduzidas no momento da sua contratação (o efeito de uma subida de taxas de juro, em resultado de uma eventual crise, não é prudencialmente contemplado nos elevados valores de divida contratados), Os políticos dirigentes (governos) pensaram ilusoriamente também que, nunca teriam de pagar a sua divida, pois emitiam novas obrigações para financiar a antiga. O resultado está á vista.
- Por outro lado, a população, “faminta” de acesso a bens duradouros, vê no crédito uma possibilidade deles usufruir, exercendo uma antecipação de poupança futura, a liquidar com rendimentos também futuros, que espera vir a receber. Os bancos, de forma a satisfazer tão elevada procura, recorrem eles próprios a crédito, para poderem ajustar a sua oferta às solicitações de mercado (estado, empresas e particulares), potenciando deste modo, os lucros da sua atividade. Também se criou a ilusão que, por recurso a produtos de titularização / securitização, a obtenção de liquidez seria ilimitada e, em simultâneo, era possível o repasse de risco de crédito para terceiras entidades (os compradores das carteiras de crédito). O resultado é a presente alavancagem (que reflete o enorme défice entre a poupança captada e o crédito concedido) e o excesso de endividamento (a divida é um instrumento essencial na medida em que permite alavancar a sua rendibilidade mas, em excesso, tem um efeito arrasador sobre o próprio capital, pela via do incumprimento).
Que lições tiramos para futuro?
As entidades de regulação, deverão fazer isso mesmo: regular. Regular os excessos de endividamento, as concentrações dos setores (transaccionável e não transaccionável), as dívidas soberanas de países (quando financiadas pelo BCE, por intermédio dos bancos) porque representam, na prática, criação de massa monetária na economia. A solidez e credibilidade da moeda euro, está afetada, porque os ativos do BCE, aceites em garantia do financiamento aos bancos, são de qualidade inferior (é diferente se os ativos são ouro, obrigações alemãs, obrigações gregas ou outras), estando em risco a recuperação do capital, pela ameaça de incumprimento dos estados-membros mais fragilizados? O cuidado, deverá ser máximo, pois é impensável pensar, como seria se tivéssemos de recapitalizar o próprio BCE.
A classe política dirigente não pode pensar que o incumprimento de um estado é impossível (moral hazard) ou, porque os estados-membros mais fortes apoiarão sempre os mais fracos, ou porque o BCE irá aceitar de forma continuada, como colateral de financiamento dos bancos, as obrigações dos estados membros, independentemente do seu rating. A visão de um político deverá privilegiar horizontes temporais longos, evitando o mediatismo do sufrágio eleitoral. A classe política deverá saber atrair profissionais competentes para poder executar com rigor políticas que visem o bem-estar das populações, por via do crescimento económico sustentável, visível no PIB acumulado, défice externo, défice comercial, serviço de divida, défice público consolidado, rigor da execução orçamental, exemplaridade e modelo de governação.
O estado, empresas e particulares deverão reduzir a sua alavancagem (pagando as dívidas contraídas, a nossa futura poupança), gastar menos (ajustar a taxa de poupança à taxa de investimento) e, investir melhor (rigor na seletividade de investimento – a natureza reprodutiva do investimento deverá gerar os recursos suficientes para garantir o serviço de divida, a amortização de capital e respetivos juros).
Forçosamente, um ajuste dos salários à produtividade. Será necessário um maior esforço e uma melhor produção. Não devemos esquecer uma cultura de mérito, incentivadora e motivadora, de bons níveis de produção, retentora de profissionais competentes e qualificados. Devemos combater o efeito da tragédia dos comuns, penalizando os que pensam “trabalhar mais para quê se recebo o mesmo?”. A exemplaridade e a flexibilização do mercado laboral serão, certamente, fatores motivacionais para empregador e trabalhador, o primeiro, porque quererá preservar colaboradores produtivos e, o segundo, porque pretende manter-se ativo no mercado de trabalho, o sustento da sua família. O ajustamento recíproco de competências resultará em melhores resultados.
Acredito que a moeda euro permanecerá e saberá resistir a esta dura crise, muito para além do acordo estabelecido em 9/12/11, que a classe política saberá atrair mais e melhores servidores do interesse público, numa cidadania mais ativa (para além do mero ato de sufrágio eleitoral) e que, Portugal, em 2014, voltará aos mercados por o Estado ter conseguido executar o plano de resgate, reduzindo o seu peso na economia e sem interferir no setor privado.
Precisamos de vozes positivas e construtivas que transmitam esperança aos nossos jovens, não negando a dureza do caminho que teremos de percorrer. Só podemos reconstruir o país se todos trabalharmos humildemente, dia após dia, pensando mais nos nossos deveres e menos nos nossos direitos. Defender o nosso posto de trabalho e sabermos ser produtivos é crucial para o crescimento económico. Só depois de bem criarmos riqueza, é possível definir como a melhor redistribuir. O trabalho deve-nos motivar e dignificar, enquanto seres humanos que somos.
Nota: republicação do texto original publicado em 19/12/2011.