A atividade comercial bancária sempre teve como principais premissas, a captação de depósitos e a concessão de crédito. Atualmente, na sequência da crise do Sub-Prime e do agravamento das atuais crises económica e social, a captação de recursos e a gestão das carteiras de crédito, vivo e vencido, ganham uma importância extrema que, unanimemente, é classificada de “atividades core”. A gestão do crédito em risco, ganha relevância redobrada em contexto de austeridade e de ausência de crescimento económico. Trata-se, efectivamente, de um novo Paradigma Comercial.
Como se mantêm então os três pilares do modelo de negócio bancário? Vejamos:
Segurança
Defender a carteira de crédito, o ativo mais precioso (recordo que as carteiras de crédito representam as carteiras de depósitos dos clientes). Esta é, sem dúvida, uma “nova atividade comercial”, para a qual a Banca e Cliente ainda não estão preparadas / mentalizados. A Banca pensará mesmo que os recursos investidos em crédito lhe serão restituídos na totalidade? Pensará ainda que reformular o crédito, é uma segunda oportunidade de venda, que lhe restituirá a segurança ameaçada pelo incumprimento / perda total (mitiga a probabilidade da perda não esperada se concretizar)? E o cliente? Pensará que tem mesmo de devolver a quantidade de crédito que solicitou? Pensará que a reformulação de crédito é uma segunda oportunidade de manter o seu bom nome intacto, honrando os compromissos que assumiu? A segurança do sistema financeiro depende do “commitment” que se estabelece entre o sistema financeiro e os seus clientes. Trata-se de uma relação que se pretende de cooperação win-win. Não vejo outro cenário possível, a bem da actividade económica, no seu todo.
Rentabilidade
Quando se vendeu o crédito, há mais de quatro anos, o spread aplicado aos financiamentos, resultava da premissa do indexante utilizado, a Euribor, refletir o custo do dinheiro no mercado. Teoricamente, era um bom negócio pois, o spread representava o ganho financeiro da Banca sobre o crédito concedido. Esta mensagem, foi tão forte, que está ainda presente, na cabeça dos clientes.
Hoje, como verificamos, o preço que recebido é insuficiente, para “cobrir” o custo do revolving do funding dessas operações de crédito (a maioria crédito hipotecário), o próprio risco de crédito associado às perdas não esperadas (agravado pela atual conjuntura económico-financeira), o lucro / rentabilidade exigida pelo acionista e, quem sabe mesmo, a cobertura dos gastos gerais administrativos, necessários ao bom funcionamento das Instituições Financeiras.
A entrada em default da carteira de crédito, penaliza duplamente, a conta de exploração da Banca. Por um lado, verifica-se a perda de inflow regular e, por outro, pela forçosa provisão a constituir (as imparidades de crédito). Ainda uma terceira implicação: a ausência de recuperação de capital, incluídos no serviço de dívida, não o libertará para a redução do gap comercial (rácio de transformação de depósitos).
Liquidez
A banca financia-se diretamente nos mercados e, na captação de poupanças dos agentes económicos (os seus clientes).
Com os mercados “fechados”, o BCE tem funcionado como entidade financiadora, em troca de ativos elegíveis garantes desse mesmo financiamento. Problema? As carteiras de crédito (os principais ativos) ou, estão securitizadas ou dadas em garantia ao BCE. Com o decorrer do tempo, a margem de manobra, é pois, cada vez menor. Restam pois, os depósitos dos clientes (por isso, o peso dos depósitos dos clientes aumenta no financiamento dos bancos). A pressão na liquidez provoca uma “fome de depósitos” generalizada do setor.
A degradação da carteira de crédito impacta negativamente e, também de forma dupla, sobre a liquidez: por um lado, a perda de ativos elegíveis, para assegurar funding junto do BCE e, por outro, porque consome os atuais recursos disponíveis para a normal atividade, em constituição de provisões / imparidades.
Conclusão:
Se as condições do devedor se degradam (pelo agravamento da economia), assim como, o valor das garantias associadas (pela desvalorização dos ativos imobiliários no mercado), o valor contabilizado da dívida será, certamente, superior ao valor recuperável por pagamento ou por venda das garantias associadas. A probabilidade de consumo de capital por via das imparidades aumenta. Não resta outra alternativa que a degradação do rácio de crédito vencido da banca, com forte impato negativo na conta de resultados.
Não se podem compensar estas perdas com concessão de novo crédito, vendido a preços adequados ao actual risco de crédito, em virtude das restrições de liquidez e das orientações económicas europeias, nomeadamente de desalavancagem.
As carteiras são muito dependentes de crédito hipotecário (com baixas margens e elevados volumes). O sistema judicial não ajuda na tomada de posse imediata do imóvel, nem assegura, que chegue ao credor, em bom estado de conservação. O mercado também não absorve o excesso de habitações e não há quem as financie.
Este é pois um tema crítico, de interesse geral da sociedade. Fala-se em estabelecer regras de negociação e/ou de reestruturação de financiamentos, nomeadamente crédito habitação, que a Banca deverá respeitar na negociação com os seus clientes.
Será este o melhor caminho para ajudar os devedores a pagar o que devem pelos financiamentos que solicitaram?
Nota: republicação do texto original publicado em 11/06/2012.