A Recapitalização da Banca

Genericamente, estado, empresas, pessoas e mercados, pensam que o imóvel e as obrigações do estado, são ativos sem risco (sempre cotados em bons níveis de rating), o primeiro, porque valoriza permanentemente e indefinidamente no tempo e, o segundo, porque o risco de incumprimento de um país não existe. Como se não bastasse, o custo de funding em toda a Europa, generaliza-se no setor financeiro pelo uso da “euribor” (interbank offered rate), não incorporando em prémio de risco de crédito, o risco cambial que acabara de ser extinto. O vulgo spread usado apenas foi identificado como a margem de lucro do banco. Refira-se ainda que elevados volumes de capital foram consumidos em crédito, a preço muito baixo. O resultado é o elevado endividamento, a bolha imobiliária, a crise da divida soberana e a “euribor” que não mais reflete o preço do dinheiro, por ausência de transações no mercado monetário interbancário (um indexante variável, está a funcionar quase como uma taxa fixa, pelas suas reduzidas variações. Caso estivesse a refletir o impacto da divida soberana, como estariam os níveis de incumprimento?).

O ciclo vicioso da atual crise pressiona consecutivas descidas de rating (estados, bancos, empresas e dividas) que fazem aumentar os spreads de risco de crédito (pelos especuladores, ditos mercados), que contagia a economia real, a escassez de capital e subida de spreads de risco de crédito, dificulta o acesso ao crédito, aumentam as insolvências e falências de empresas, sobe o desemprego (aumenta despesa com o subsídio de desemprego e reduz a receita de impostos não cobrados em sede de IRS/TSU), reduz a produtividade que dificulta o crescimento económico, aumenta o incumprimento que obriga a maior provisionamento bancário e a reforço de capital pelo accionista, agrava a crise e descem os ratings e…, assim, sucessivamente.

A seguranca da banca portuguesa, conservadora, vai resistindo:

  • Quando “rebentou” a crise “sub-prime”, em 2008 (não apresenta “lixo tóxico” relevante nas suas carteiras de ativos) e, segue sem intervenção estatal, contrariando o que aconteceu noutros países europeus;
  • Nos últimos 18 meses, está a viver com liquidez obtida junto do BCE, apresentando colaterais em garantia, sem recorrer a fundo de recapitalização (disponivel desde Nov/2008);
  • O nível de solvabilidade e de gestão está ao nível das melhores práticas da europa, nos últimos 15 anos.

Contudo, decorridos três anos, com a degradação da economia referida que tem um impato direto na deterioração das carteiras de crédito, a redução das margens financeiras e a pressão das atividades de regulação, obriga forçosamente, a um esforço de recapitaliação, pelos fatores que se indicam:

  • a crise do ” sub-prime”, originou a crise de confianca, que “congelou” o MMI (mercado monetário interbancário), provocando uma forte crise de liquidez (o BCE vai continuar a financiar até quando? As carteiras de colaterais são ilimitadas?). Poderá tornar-se, se permanente, numa crise de (in)solvência?;
  • a regulação prudencial mais exigente (solvabilidade e consumo de capital) proveniente de Basileia e Banco de Portugal;
  • a descida de rating de pais e dos bancos que desvaloriza os ativos, mantendo-se as dividas (vulgo crise de balanço); a valorização mark-to-market, a realizar ate 30/6/12 que, resulta da crise de divida soberana (ex: o haircut da divida grega e demais divida soberana estrangeira e portuguesa) e, da desvalorização bolsista das ações (as “vendas a descoberto” dos especuladores), vai “consumir” muito capital (uma verdadeira destruição de valor);
  • a subida de imparidades (provisões para credito mal parado) resultantes do estado da crise económica (clientes não pagam os seus empréstimos);
  • a incapacidade de assumir as desvalorizações do próprio imobiliário (a crise da bolha imobiliária e menor que noutros países, mas existe), garante das operações de credito a decorrer;
  • a fome por receitas fiscais ou outras, que resultam da crise de falta de consolidação orçamental, faz com que o Estado “pressione” os fundos de pensões da Banca.

A necessidade de recapitalização não deixa, no entanto, de ser insólita, O estado, que recorreu a um programa de resgate e deve à banca uma quantia superior a 50 mil milhões de euros, por via das suas empresas públicas, disponibiliza-se para capitalizar essa mesma banca (com dinheiro obtido no resgate), tornando-se nalguns casos, acionista maioritário, pelo fraco desempenho da ação em mercados financeiros, traduzida na reduzida capitalização bolsista dos bancos? É quase uma nacionalização encapotada pelos motivos errados, não será?

Que lições tiramos para futuro?

A banca deverá ser mais seletiva na finalidade de crédito concedido. Uma afetação controlada do destino do capital (a reduzida poupança que permite o acesso ao crédito), entre setores transaccionável e não transaccionável, materializado em projetos de investimento produtivos (valor criado pelos clientes), ajudará a corrigir o sucedido no passado recente. A análise e decisão de risco de crédito (avaliação, gestão e assunção de riscos), deverá, na prática, privilegiar mais a libertação futura de “cash-flow” gerados pela atividade do cliente, fluxo financeiro que lhe permite liquidar os encargos assumidos, funcionando as garantias (fiadores, imóveis, títulos ou outros depreciáveis), somente como conforto, em caso de incumprimento. O relacionamento entre bancos e clientes é decisivo para afetar com rigor os recursos escassos referidos.

A mensagem de confiança transmitida pela Banca, que não esconde os problemas a que está exposta, é um excelente sinal de transparência que se transmite aos agentes económicos, nomeadamente, aos clientes depositantes. A relação bancária e uma relação de confiança que deve ser credibilizada.

Nota: republicação do texto original publicado em 17/01/2012.

 

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