Nos últimos anos, o ritmo da transformação tem sido muito rápido e acontece de forma generalizada: a tecnologia, o consumidor, os hábitos sociais, a forma de nos relacionarmos, o produto, o mercado, a distribuição e a necessidade diária e crescente na aquisição de novas competências digitais.
Neste contexto, no qual a “mudança é a única variável que permanece constante”, as equipas de colaboradores das diversas organizações têm-se focalizado na melhoria dos seus modelos de negócio ou na criação de novos, explorando as novas oportunidades criadas pela inovação tecnológica, com o objectivo de superar os impactos decorrentes da maior crise financeira mundial dos últimos 90 anos (“sub-prime“).
Mudar tem sido a palavra de ordem! O sentido de urgência para a mudança é claro: a empresa tem de sobreviver e manter a sua competitividade.
A visão do caminho a seguir é apresentada como evidente: é necessário assegurar lucros sustentáveis, reduzir custos e encontrar novas fontes de proveitos.
É pedido a todos os colaboradores um esforço suplementar para se transformarem em agentes da mudança: as pessoas necessitam melhorar a sua produtividade e promover a empresa com orgulho, desempenhando o papel de principais embaixadores da marca.
A comunicação transversal e transparente reforça a motivação para agir: todos devem compreender qual o seu contributo para o objectivo comum a alcançar.
Durante a “viagem da transformação” celebram-se as pequenas vitórias assegurando que todos compreendem a evolução do processo de mudança.
Paralelamente, e inevitavelmente, é tomada uma decisão financeira de redução de custos, justificada pelo ajustamento da dimensão da empresa ao volume do negócio ou pela racionalização dos processos de negócio, o que, na prática, significa reduzir o efectivo dos colaboradores da organização numa determinada percentagem, independentemente da idade, das qualificações ou mesmo das competências.
Esta decisão, sempre controversa, tomada em contextos de downsizing, fusões ou de aquisições é “camuflada” pela figura jurídica de acordos de rescisão de contrato de trabalho por mútuo acordo (vulgos RMA) evitando-se, desta forma, o uso da expressão “despedimento”.
É um enquadramento que protege a imagem de marca da empresa e que passa despercebido na opinião pública independentemente de serem decisões de índole privada, pública ou mesmo política.
Reduzir pessoas beneficia, sem dúvida, o agente económico empresa prejudicando, no entanto, milhares de indivíduos / famílias, também eles importantes agentes económicos, pelo que se questiona se essa comum decisão de gestão será benéfica para a economia no seu todo.
A conjuntura económica e a digitalização da economia não estão a gerar oportunidades equivalentes, em quantidade de novos postos de trabalho, que permita absorver a “onda de reestruturações” de quadros de pessoal que múltiplas instituições estão a realizar.
São milhares de pessoas qualificadas, com idades entre os quarenta e os cinquenta anos que mergulham no desemprego ou na precariedade laboral e, como se não bastasse, o seu perfil não é considerado para análise de candidaturas por se encontrar prejudicado pelo “fator idade (?)”.
Trata-se de uma geração que possui formação académica e técnica especializada, adquirida ao longo da vida, com elevado investimento financeiro e ocupação de tempo pós-laboral, retirado ao contexto familiar das suas vidas pessoais.
A decisão de reforço de competências foi individual e voluntária mas totalmente alinhada com os desígnios nacionais de melhoria das qualificações individuais, com benefícios claros para o funcionamento geral da sociedade.
Como atua a sociedade perante este fenómeno?
Infelizmente, a sociedade não se preparou para gerir um tão elevado número de redução de pessoas do mercado de trabalho e, muito menos, se pode dar ao luxo de desperdiçar a qualificação e a experiência de milhares de contribuintes, classificados como população ativa, que muito se esforçaram e tanto têm para partilhar com as gerações sucedâneas.
Que impactos sentem os atingidos pelo tsunami da “transformação laboral”?
No curto prazo, a dificuldade de reingresso no mercado de trabalho, impede a continuidade e o posicionamento da carreira e do respetivo nível de rendimentos, com o risco elevado de permanência no desemprego de longa duração, o que representa também um custo social acrescido e demasiado elevado para a sociedade em geral.
No médio e longo prazo, com duas décadas de trabalho pela frente, caso os rendimentos se mantenham baixos, a média da carreira contributiva considerada para efeitos do cálculo da pensão de velhice será fortemente penalizada.
Como responde o mercado de trabalho?
De forma estranha, privilegia ofertas com reduzido salário em troca da máxima habilitação académica e da idade mínima possível.
A tentação das empresas é melhorar a sua competitividade por via da desvalorização da remuneração do trabalho.
Por esta via, diminui-se generalizadamente o poder de compra, com reflexo na diminuição do consumo – determinante para o crescimento económico e para a receita do imposto sobre o valor acrescentado e, com impacto na redução da poupança – uma fonte de financiamento de referência do crédito que é concedido ao investimento dos particulares e das empresas.
Por esta via, reduz-se também a base da receita fiscal global – quer em número de contribuintes quer em valor médio de colecta por contribuinte, considerada para os cálculos do imposto sobre o rendimento e da contribuição para a segurança social (dos empregados e dos empregadores), que são duas das principais fontes de receita do Estado (Social).
Uma política de reduzidos salários traduz-se ainda numa ameaça à atração e retenção de talentos, que constituem o principal ativo das empresas e do desenvolvimento de um País.
Qual o papel do Poder Executivo?
O investimento público e privado no principal ativo de um País – o capital humano, em especial na educação, viabiliza a capacidade futura de geração de rendimento, traduzido pelo aumento da produtividade do fator trabalho e das respectivas remunerações.
Neste contexto, o Estado deveria incentivar e promover a empregabilidade de toda a população (Fator Trabalho) uma vez que a esperança de vida é cada vez maior, tanto para homens como para mulheres, sendo necessário que todos possam continuar o percurso da sua carreira contributiva até atingir a reforma por velhice, nesta data fixada nos 66 anos e três meses.
Recorde-se ainda que o trabalho dignifica e valoriza o ser humano e contribui para o bem-estar social.
Como lida o indivíduo com a imprevisibilidade da mudança imposta?
Neste contexto contínuo de mudança e de elevada adversidade destaca-se a resiliência de cada um dos “atingidos”.
A única diferença entre eles é o tempo de reação e de ação que cada um tem para a mesma situação em que se encontra.
É, portanto, crítico transformar as dificuldades em oportunidades, fixar novos objetivos e criar planos de ação individuais para tirar partido das melhores qualidades humanas e profissionais, garantido que se continua a viver e a ser feliz.
Deve-se valorizar quem valoriza as competências e quem proporciona oportunidades de realização profissional remuneradas a valor justo.
Num contexto de maturidade de mercado de trabalho urge realizar uma profunda reflexão, por parte dos seus intervenientes, para mudar o paradigma da valorização do fator trabalho e da respectiva visão estratégica de contratação de recursos humanos.
O “Fator Trabalho” (capital humano) é estratégico em qualquer sociedade, durante todo o ciclo de vida da sua população ativa, para garantir a cooperação e a transferência de conhecimento geracional, a motivação para investir na qualificação continua, a captação de receita fiscal e para garantir a prosperidade e a sustentabilidade da economia e do bem-estar social.