Habilitação de Herdeiros em Pandemia: algumas notas, que creio úteis.

Quando em abril do ano passado escrevi sobre a pandemia – “COVID-19 ameaça Humanidade e impõe Nova Normalidade!” – iniciada em dezembro de 2019, estava consciente da gravidade da situação, mas não imaginava em tempo algum que, num período pouco mais de um ano, a nível mundial, a devastação de vidas humanas cresceria a ritmo exponencial, não só em total de casos de pessoas infetadas, nesta data, já ultrapassada a barreira dos 104 Milhões de pessoas, como em número de óbitos, já superior a 2,2 Milhões de pessoas, números estes, infelizmente, e por certo, subestimados e aquém da verdadeira realidade.

Os números, mesmo que incertos, representam mensalmente, uma média de 8,6 Milhões de pessoas infetadas e de 200 Mil óbitos. 100 Milhões de pessoas representam, por exemplo, cerca de 15% da população europeia, quase 10% da africana, metade do Brasil, o dobro da Espanha e 10 vezes a de Portugal.

Sempre que escuto os especialistas afirmarem que estaremos mais seguros quando atingirmos uma imunidade de grupo, que se consegue aos cerca de 70% da população mundial, chego à conclusão que terão de ficar em contato com o vírus, cerca de 5 mil milhões de pessoas (são 5 biliões de ser humanos), ou por via da infeção ou por via da proteção (vacina). Representa um longo caminho para percorrer.

Esta realidade, deixa-me profundamente apreensivo por saber que os números existentes, quando comparados com os do ritmo da produção das vacinas, estão ainda longe de se poderem inverter. Significa que a pandemia continuará a propagar-se com todos os efeitos que já “conseguimos começar a identificar”.

O número de mortes não para de crescer, seja por motivo “COVID” ou “não COVID”.

Os lutadores contra este atentado pandémico têm de viver e ser solidários com o luto dos seus familiares, amigos e desconhecidos, agravado psicologicamente por um cansaço extremo, sem poder baixar os braços, assim como todos os que se encontram em confinamento, procurando seguir em frente com as suas vidas, e ter ainda de lidar com a já instalada crise económico-social, e muito provavelmente, com a do sistema financeiro que ressurgirá por motivos de incumprimento dos créditos concedidos, decorrentes das falências e do desemprego.

A situação de perda de um familiar próximo é uma dor que comungo com todos os que por esse momento estão a passar. No início do segundo semestre de 2019, ainda contexto não COVID, perdi a minha Mãe, em consequência de doença também grave.

Nessa altura, em que não existia confinamento e em que existia plena liberdade de circulação de pessoas, foi com dificuldade que enfrentei o processo da habilitação de herdeiros.

Cheguei mesmo a comentar com meus familiares, amigos e colegas, que não entendia porque em plena era da transformação digital, este processo ainda era tão burocrático e/ ou administrativo, até pelas próprias instituições financeiras. Verifiquei que é:

  1. Complexo: obriga à interação com diversas entidades, ou com a mesma entidade, por mais que uma vez;
  2. Vago: a informação encontra-se descentralizada (em vários órgãos) e sem sabermos qual a ordem sequencial das atividades (por onde começar);
  3. Burocrático: nunca temos tudo, falta sempre qualquer coisa;
  4. Moroso: demora tempo, com custo de oportunidade;
  5. Dispendioso: despende dinheiro, que por vezes não se tem.

À data, indignado pela complexidade do procedimento, escrevi para mim mesmo umas notas que cheguei, mesmo, a equacionar partilhá-las publicamente, tendo optado por não o fazer, por não serem, em si mesmo, um assunto “fashion”, ou mesmo mórbido. Contudo, penso que alguém tem de o fazer, especialmente, no presente momento de desorientação pandémica em que todos vivemos.

Acredito que estas simples notas, que representam a partilha da minha experiência pessoal, devidamente generalizadas ao procedimento legal comum, ainda que não aplicável na totalidade, podem representar uma ajuda para todos os que têm de tratar, infelizmente, do processo de habilitação de herdeiros. É uma obrigação legal exigível após a morte que, simplesmente, tem de ser feita.

 

Vejamos então as notas (procedimentais) tal como as escrevi, no último trimestre de 2019, na generalidade, ainda atuais.

Como nos ajudam as diversas instituições com que iremos interagir?

1. Agência Funerária

São entidades colaborativas e compreensivas que nos ajudam na organização do funeral do nosso ente querido. Dispõem de uma variedade de serviços fúnebres, incluindo o tratamento de alguma documentação.

Estão organizadas para lidar com a situação de forma profissional, garantindo que o funeral se realiza de forma célere, com o agrado possível da família, num momento emocional de luto, sempre tão difícil de gerir.

Ajudam na obtenção da certidão de óbito, junto da Conservatória do Registo Civil, e nos procedimentos a realizar junto da Segurança Social, geralmente, os relacionados com os pedidos de reembolso de despesas de funeral a liquidar aos familiares, e o da pensão de sobrevivência a pagar ao viúvo(a).

Caso não tenha ajuda para tratar desta documentação terá de o fazer sozinho e dentro dos prazos. Tenha atenção aos prazos. Por exemplo, o pedido das despesas de funeral (subsídio por morte) deve ser solicitado até 180 dias após o óbito.

Todos os serviços prestados pela agência funerária são pagos. Quanto mais serviços contratar, mais paga. Os preços são muito variáveis. Não é um serviço barato.

O valor do reembolso do funeral é geralmente muito inferior ao valor suportado pela família. O valor máximo de reembolso é de 1.307,28 euros (o equivalente ao triplo do Indexante dos Apoios Sociais (IAS) fixado para o ano em curso, em 2019, no valor de 435,76 euros).

A emissão da certidão de óbito também tem um custo (10,00 euros ou 20,00 euros por certidão, conforme a finalidade). Precisa no mínimo de duas, uma para si e outra para a escritura de habilitação de herdeiros.

Note que a emissão da certidão e/ ou assento de óbito origina comunicações automáticas às Finanças, para efeitos de contagem de tempo para a apresentação da relação de bens (Modelo 1), até ao fim do terceiro mês a seguir ao mês em que ocorreu a morte. Caso se esqueça e apresente a relação de bens fora de prazo, sujeita-se ao pagamento de uma coima no valor de 187,50 euros.

Da mesma forma, a emissão da certidão de óbito origina comunicações automáticas à Segurança Social, para efeitos de suspensão imediata de qualquer pensão ou outro apoio social regularmente recebido pelo falecido(a).

No que respeita ao reembolso das despesas com o funeral ou à transmissão da pensão ao cônjuge sobrevivo, o processo da Segurança Social não é, da mesma forma, automático, demorando os respetivos pagamentos, um período mínimo de três meses para serem processados a quem de direito.

2. Loja do Cidadão ou Cartório Notarial

É necessário realizar uma escritura de habilitação de herdeiros. Só com a obtenção deste documento pode dar seguimento à burocracia decorrente do falecimento do seu familiar. Para o efeito, precisa reunir a seguinte documentação:

    • Assento de óbito;
    • Cartão de cidadão do falecido;
    • Cartão de cidadão do cabeça de casal;
    • Nomes e números de identificação fiscal dos herdeiros;
    • Certidão de casamento, se aplicável (em alternativa, a certidão de nascimento completa);
    • Certidão de nascimento dos herdeiros;
    • Testamento e comprovativo de pagamento do imposto de selo, se aplicável.

A habilitação de herdeiros obriga à nomeação do cargo de cabeça de casal, o herdeiro responsável pela administração da herança até à sua liquidação e partilha. De acordo com a legislação, na grande maioria dos casos, é exercido pelo cônjuge sobrevivo ou o herdeiro mais velho (art.º 2080 do Código Civil).

As certidões de nascimento e de casamento podem ser obtidas de forma célere, via on-line (https://www.civilonline.mj.pt/CivilOnline/ – ao preço de 8,00 euros por certidão de nascimento e 20,00 euros por certidão de casamento).

O documento “escritura de habilitação de herdeiros” (150,00 euros se realizada no Balcão de Heranças e entre 140,00 euros e 200,00 euros se realizada num Cartório) é um original que deve ser sempre mantido na posse do cabeça de casal para a devida apresentação sempre que seja necessário tal.

3. Entidades Bancárias

Quando estiver na posse da habilitação de herdeiros o cabeça de casal deve dirigir-se às entidades bancárias onde o falecido(a) tiver conta para comunicar formalmente o seu falecimento.

Para assegurar que se dirige a todas as instituições onde o falecido(a) tenha contas ativas poderá recorrer à Base de Dados de Contas do Banco de Portugal, ou através das credenciais de acesso ao Portal das Finanças do falecido (a) – https://www.bportugal.pt/area-cidadao/formulario/242, se assim lhe for possível, ou através de pedido de informação ao Banco de Portugal quando estiver na posse da habilitação de herdeiros.

Após a identificação das entidades bancárias deverá dirigir-se às mesmas com a seguinte documentação:

    • Escritura de habilitação de herdeiros;
    • Cartão de cidadão do falecido (a)/ titular da conta;
    • Cartão de cidadão do cabeça de casal.

O Banco irá proceder da seguinte forma:

Num primeiro momento, o Banco cativa de imediato os montantes existentes, à data do óbito, nas contas à ordem e a prazo, e/ ou de aplicações financeiras existentes (ex. fundos, ações, etc.) em função do número de titulares da conta. Por exemplo, no caso de se tratar de uma conta individual os saldos ficam 100% bloqueados; se for uma conta solidária com dois titulares os saldos ficam 50% bloqueados; no caso de serem três titulares os saldos ficam 33, (3) % bloqueados; e assim sucessivamente.

É nesta situação que nos lembramos que não devemos ter contas individuais, pois, no caso de falecimento, criamos um obstáculo financeiro, ainda que temporário, aos nossos familiares.

Num segundo momento, o Banco procede à emissão da declaração de saldos à data do óbito, para efeitos de apresentação no serviço de finanças, que envia e/ ou entrega ao cabeça de casal uns dias depois.

Num terceiro momento, o cabeça de casal entrega no Banco uma cópia do Modelo 1, emitido pelo Serviço de Finanças. Após a receção deste documento o Banco disponibiliza uns dias depois, o recibo de quitação de entrega dos saldos, para ser assinado pelos herdeiros.

Num quarto momento, os herdeiros assinam e entregam ao Banco o recibo de quitação dos saldos, para que este proceda à libertação das verbas retidas.

Finalmente, num quinto momento, o Banco executa as instruções transmitidas, pelo cabeça de casal, sobre o destino dos capitais depositados, assim como, da continuidade, ou não, da(s) conta(s) existente(s), com a devida remoção do titular falecido (a).

Os Bancos, na sua generalidade, cobram o serviço de habilitação de herdeiros, também sujeito a IVA de 23%, pelo que deve consultar o preçário do Banco ou solicitar informação acerca do seu valor (o custo total pode ultrapassar os 100 euros por cada Banco onde este processo decorrer podendo nem sempre existir saldos compensatórios).

4. Autoridade Tributária

Deverá dirigir-se à autoridade tributária (serviço de finanças) para realizar o preenchimento do modelo 1 (vulgo “relação de bens”) acompanhado da seguinte documentação:

    • Certidão de óbito (ver ponto 1);
    • Habilitação de herdeiros (ver ponto 2);
    • Declaração de saldos bancários (ver ponto 3, momento 2);
    • Cartão de cidadão do falecido (a);
    • Nomes e números de identificação fiscal dos herdeiros;
    • Relação de bens imóveis: casas e terrenos (se possível, leve as cadernetas prediais consigo);
    • Relação de bens móveis: veículos automóveis, barcos, recheio de habitação, outros.

Os serviços de finanças asseguram:

    • Criação do número fiscal de herança indivisa iniciado em “7” com a indicação “Nome do falecido (a), Cabeça de casal Herança de Representado por: nome e morada”;
    • Preenchimento do Modelo 1, se aplicável:
      • Declaração do património imobiliário:
        • Imóveis urbanos;
        • Imóveis rústicos.
      • Declaração do património mobiliário:
        • Saldos bancários à data do óbito;
        • Viaturas, motas ou barcos;
        • Outros.
    • Determinação do valor do património da herança, o “valor de aquisição à data do falecimento”, que corresponde ao valor patrimonial tributário inscrito na matriz predial à mesma data;
    • Afetação do património imobiliário declarado no modelo 1 ao novo número fiscal de herança indivisa. Isto significa que as cadernetas prediais passam a estar disponíveis on-line através deste número, devendo o cabeça de casal solicitar o respetivo acesso no portal das finanças;
    • Apuramento do imposto de selo a liquidar ou determinação da sua isenção.

A comunicação às finanças não tem custos.

Encontra-se também isento de pagamento de imposto de selo os bens ou valores monetários a favor do viúvo(a) ou do unido(a) de facto, descendente (filhos e netos) ou ascendente (pais e avós). Nas restantes situações os beneficiários da herança ou doação têm de pagar imposto de selo, à taxa de 10 %, sobre os bens recebidos.

 5. Entidades Credoras

Sempre que existam dívidas do falecido (a) deverá inteirar-se das mesmas, uma vez que é herdeiro.

Para assegurar que se dirige a todas as instituições onde o falecido(a) tenha dívidas poderá recorrer também à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, utilizando as credenciais de acesso ao Portal das Finanças do falecido (a), se assim lhe for possível – https://www.bportugal.pt/area-cidadao/formulario/227), ou diretamente nos serviços do Banco de Portugal no caso de já estar na posse da habilitação de herdeiros.

Só é obrigado a pagar dívidas até ao limite do valor do património herdado. Em caso de dúvida, consulte um advogado (com custo).

 6. Conservatória Predial

Deverá proceder ao registo dos bens imóveis, móveis ou participações sociais sujeitos a registo a favor dos herdeiros (custo de 250,00 euros por registo presencial).

Conclusões finais:

Quando somos confrontados com a morte de um familiar precisamos, por um lado, de encarar o processo de luto que varia de pessoa para pessoa quer do ponto de vista psicológico, físico e até mesmo social e, por outro lado, de encarar o processo burocrático e/ ou administrativo associado ao seu falecimento.

O processo descrito refere-se estritamente à situação mais simples, a chamada “herança indivisa”. Não foi, portanto, âmbito destas notas, contemplar os casos de partilha, com ou sem acordo entre as partes quanto à divisão de bens, ou os casos em que as dívidas do falecido(a) são superiores ao valor da herança, ou ainda, os casos em que existem herdeiros menores ou incapacitados. Estas situações podem necessitar de apoio jurídico com tempo de resolução e custos associados difíceis de prever.

Sempre que existem bens imóveis, móveis ou títulos de crédito e ações, a partilha tem de ser realizada através de escritura em cartório notarial (com custo de 375,00 euros acrescido de emolumentos – taxas de remuneração de serviços públicos, relativos a consultas de bases de dados de registo), para permitir a passagem dos bens para o herdeiro legítimo (o novo proprietário e/ ou detentor dos bens).

Como nos ajuda o Estado?

É possível recorrer, em alternativa aos passos acima descritos, ao Balcão de Heranças e de Divórcio com Partilha, que tem um serviço dedicado ao processo de herança. Nesse serviço, é possível identificar os herdeiros (habilitação)  e fazer a partilha e registo dos bens.

De acordo com informação disponível no site https://justica.gov.pt/Servicos/Balcao-Herancas, “deve reunir as seguintes informações:

  • Identificação do cabeça-de-casal (Cartão do Cidadão, Bilhete de Identidade, passaporte ou carta de condução);
  • Identificação e NIF dos herdeiros;
  • Relação dos bens a partilhar e respetivos valores;
  • Os termos do acordo de partilha.

Os serviços analisam o processo e os documentos, fazem a confirmação do óbito, dos herdeiros e dos bens.

A marcação é feita entre sete e dez dias úteis depois do pedido, dependendo da complexidade do caso. São pedidos documentos que devem ser entregues até cinco dias úteis antes do dia marcado. Se não for possível entregar os documentos dentro do prazo, marca-se outro dia para tratar do processo.”

Trata-se de um serviço que já agiliza, favoravelmente, o processo de habilitação de herdeiros.

Como nos ajudam as Entidades Financeiras?

Prestam um serviço com custos, de forma morosa e faseada, que obriga a múltiplas deslocações presenciais dos herdeiros.

Que se conclui então?

Numa sociedade em plena transformação digital, e perante uma população cada vez mais envelhecida, como é o caso da população portuguesa, e em especial agora, tendo em conta os impactos em número de óbitos, diretos e indiretos, provenientes dos efeitos da pandemia COVID-19, o processo associado à habilitação de herdeiros tem ainda espaço para ser melhorado, para o benefício de todos.

Finalmente, esperando que estas notas ajudem alguém de alguma forma, deixo uma palavra de Esperança, desejando o melhor ano possível, com votos de saúde e trabalho, acreditando que o Mundo, e todos nós, portugueses, conseguiremos ultrapassar este grandioso desafio individual, acima de tudo, se soubermos agir em conjunto, com elevado respeito pela COVID-19 e pelo mais próximo, apelando ao bom senso cívico, à compreensão, colaboração e cooperação de todos!

Também uma palavra de agradecimento a todos os que estão na linha da frente a “tratar” dos nossos (hoje tu, amanhã eu), nos múltiplos serviços de saúde e atividades relacionadas, incluindo os Lares, e a todos os cidadãos que cumprem o dever cívico, sempre que com os outros se relacionam.

Saibamos, pois, ser individualmente conscientes, com elevado sentido de missão e de responsabilidade coletiva. Boa sorte e protejam-se!

One thought on “Habilitação de Herdeiros em Pandemia: algumas notas, que creio úteis.

  1. Obrigado pela informação, Fernando. Os serviços públicos têm-se informatizado pouco a pouco, pelo menos nas áreas que consideram mais relavantes (ex: compras, faturação), mas há ainda um longo caminho a percorrer nas mais diversas áreas. As prioridades normalmente são geridas por grupos de influência ou por reclamações que evidenciem as melhorias que podem ser efetuadas no serviço público prestado.

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