É depositante ou investidor bancário?

A abertura de conta bancária é o momento importante que inicia e que sustenta a relação de confiança futura entre o depositante e a instituição financeira.

Mais que um fornecedor é um parceiro do quotidiano com quem se partilha a intimidade da vida financeira, pelo que, a sua contratação deve merecer a máxima atenção seja em canal físico ou digital.

A noção jurídica de contrato de depósito é definida pelo art.º 1185º do Código Civil, nos termos do qual “depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida”.

O depósito bancário propriamente dito é o contrato pelo qual uma pessoa (depositante) entrega a um banco (depositário) uma soma de dinheiro ou bens móveis de valor, para que este os guarde e restitua quando o depositante o solicitar.

Previamente à assinatura do contrato de conta depósito à ordem, deve-se avaliar quais as condições praticadas pela instituição financeira na venda dos seus produtos e quais as comissões que cobra pela prestação dos seus serviços. Esta é uma tarefa de elevada responsabilidade que não se pode descurar ou mesmo delegar em terceiros.

Deve-se (obrigatoriamente) consultar vários fornecedores financeiros para identificar a sua oferta de valor e a experiência de serviço que proporciona em canais físicos e / ou digital.

Após a consulta ao mercado deve-se realizar uma análise comparativa suportada em critérios de decisão qualitativos (equipa de gestão, canais de acesso, ranking bancário, rating, notícias, redes sociais e outros) e quantitativos (demonstrações financeiras e preçário praticado).

O contrato de depósito à ordem define os direitos e deveres, enquanto cliente depositante.

A confiança do depositante é reforçada pela existência do Fundo de Garantia de Depósito (FGD) cuja ” principal missão consiste em garantir o reembolso dos depósitos constituídos junto das instituições de crédito … até ao limite máximo de 100 000 euros por depositante e por instituição.”

Note-se que o FGD garante depósitos constituídos e não quaisquer outros produtos de investimento financeiro.

Sempre que o consumidor / depositante / cliente pretende adquirir produtos adicionais ao serviço base contratado (a conta de depósito à ordem), irá assinar novos contratos com a instituição financeira (tantos quantos  os produtos comprados).

Estes contratos adicionais podem ser relativos a aplicações financeiras, sempre que o cliente depositante pretende realizar um investimento financeiro ou  financiamentos, sempre que o cliente depositante pretende obter crédito.

São exemplos de produtos de financiamento a particulares a facilidade de descoberto da conta ordenado, o cartão de crédito, o crédito pessoal, o crédito habitação e o crédito automóvel e, são exemplos de financiamentos a empresas as contas correntes caucionadas, as garantias bancárias, os contratos de factoring e de leasing e os contratos de “trade finance” para apoio à exportação e importação, entre outros.

O objetivo deste post pretende, sobretudo, clarificar as diferentes relações comerciais e contratuais que o consumidor / depositante / cliente assume sempre que investe em produtos (instrumentos) financeiros diferentes do contrato base da conta de depósito.

Em função do produto (instrumento) financeiro adquirido, o cliente assume uma relação comercial com direitos e deveres distintos da relação comercial de depositante, à ordem e a prazo, a que correspondem riscos e garantias, também elas diferentes (ver figura abaixo).

perfil-de-investidor-bancario

A Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF) harmoniza os requisitos de organização interna dos intermediários financeiros que prestam serviços na União Europeia e reforça os deveres de conduta que lhes são aplicáveis. Encontra-se transposta para a legislação portuguesa em vigor desde 1 de Novembro de 2007.

A DMIF torna obrigatória a adequação do instrumento financeiro ao perfil do investidor que resulta da sua experiência, do seu conhecimento do mercado de capitais e da sua apetência para assumir riscos de perda de capital e / ou juros.

Definir o perfil de investidor é uma obrigação da instituição financeira. No entanto, os nomes das categorias não estão harmonizados entre as instituições. É prática existirem quatro categorias de investidores com apetências de risco muito diferentes: o conservador, o moderado, o dinâmico e o agressivo. Quanto maior a rendibilidade esperada maior são os riscos de capital e liquidez associados.

O cliente conservador privilegia a cobertura  (segurança) prestada pelo FGD. Representa a esmagadora maioria do cliente bancário consumidor de depósitos à ordem, depósitos a prazo e de contas poupança, que são produtos financeiros sem risco de capital, com elevada liquidez e reduzida rentabilidade. Estes depósitos (simples) e os depósitos de remuneração indexada são regulados pelo Banco de Portugal e são garantidos pelo FGD independentemente do modo como é determinada a taxa de remuneração (habitualmente indexada à evolução de um determinado activo subjacente).

O cliente moderado diversifica a sua carteira comprando instrumentos financeiros com maior rentabilidade, prejudicando a liquidez e assumindo maturidades médias entre três a cinco anos (no limite até 10 anos). No entanto, exige o capital garantido na sua maturidade. É o caso das obrigações. Este produto apresenta risco de crédito da entidade emissora pelo que o investidor tem que ter confiança na sua solvência / saúde financeira.

O cliente dinâmico acredita no mercado accionista e na rentabilidade a médio e longo prazo conseguida através da valorização do título e dos dividendos anuais aquando distribuição de lucros das empresas. Por vezes, prefere mitigar risco de gestão de ativos investindo em fundos de ações, mais ou menos agressivos, onde a gestão de uma carteira de títulos diversificada é realizada por profissionais especializados. Ambas as opções tem risco de capital mas com expectativa de elevado retorno.

O cliente agressivo adquire produtos financeiros complexos que são instrumentos financeiros dependentes parcialmente ou totalmente da rentabilidade de outros ativos subjacentes que não são diretamente adquiridos pelo cliente. São produtos sofisticados com elevada complexidade técnica no cálculo de rentabilidade baseada em fórmulas e em pressupostos de realização de determinados eventos. Têm risco de capital.

São exemplo de produtos financeiros complexos as obrigações estruturadas, os valores mobiliários representativos de dívida com possibilidade de perda de capital (notes), os certificados, warrants autónomos, os contratos derivados sobre taxa de juro, os contratos derivados sobre divisas, as operações de capitalização ligadas a fundos de investimento, entre outros.

Todos os produtos, que impliquem uma “exposição directa a um instrumento financeiro, através da comercialização, subscrição ou aquisição de um ou mais instrumentos financeiros, simples ou complexos”, são regulados pela Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Incluem-se todos os produtos sem garantia de capital e todos os comercializados que incluam mais do que um produto, mesmo que seja um depósito.

O cliente que reune apetência para o risco pode investir de forma diversificada as suas poupanças (distribui os “ovos” por vários cestos) consciente que assume posições contratuais diferentes, enquadradas ou não no Fundo de Garantia de Depósito, com direitos, deveres, riscos e rentabilidades diferentes.

Quando se constitui um depósito (simples, indexado ou dual – uma combinação de depósitos) o investidor é depositante.

Quando se investe numa obrigação o investidor torna-se credor da entidade emitente, sujeito ao risco de crédito desta entidade o que pode comprometer o capital garantido a receber na maturidade (no vencimento).

Quando se adquire uma ação o investidor torna-se accionista dessa entidade e passa a estar sujeito à volatilidade diária do título. Assume os riscos de mercado, de liquidez e de solvência e tem plena consciência de perda de capital. O mesmo sucede quando investe em fundos de investimento mobiliário. Nesta situação é detentor de títulos de participação de fundos que são geridos por determinada entidade gestora de activos mobiliários.

Quando se investe em produtos financeiros complexos o investidor tem forçosamente que conhecer o mercado de capitais e de produtos derivados e todos os riscos a que está sujeito, caso contrário, deve optar por soluções de investimento adequadas ao seu verdadeiro conhecimento.

Ser depositante é pois muito diferente de ser investidor bancário de obrigações, de ações, de fundos de investimento ou de produtos financeiros complexos.

Sugiro que, quando decida deixar de ser depositante para se tornar num investidor  bancário, consulte as recomendações prestadas pela CMVM sobre instrumentos financeiros e sobre produtos financeiros complexos .

Quando se celebra um novo contrato, seja ele qual for, deve-se tomar uma decisão informada e refletida. Vivemos na era do conhecimento gratuito, disponível a qualquer hora, em qualquer local e em qualquer dispositivo, partilhado na internet e nas redes sociais, por particulares e por empresas.

A tecnologia proporciona à nossa sociedade, em “real time”, o acesso à inclusão do conhecimento e à tomada de decisão informada. Não facilite! Não se desresponsabilize da sua decisão! Informe-se e questione sempre.

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