O efeito da inflação no salário

Olá!

Já lá vai algum tempo, por isso, espero que se encontrem bem.

Vou escrever sobre a inflação que voltou a fazer parte do nosso quotidiano.

A Economia de um País resulta da sua capacidade de produção, distribuição e de consumo de bens e serviços, atividades que no seu conjunto permitem determinar a criação de riqueza num determinado período.

A inflação é uma “doença económica” que prejudica o normal funcionamento dos agentes económicos pelo “efeito pandémico” do aumento generalizado dos preços.

A produção de bens e serviços incorre em custos de produção diretos (matérias-primas, matérias subsidiárias e mão-de-obra) e indiretos (eletricidade, gás, água, etc.). Acrescem os custos de logística que incluem os custos de armazenagem de matérias-primas e produtos acabados, processamento de encomendas e os custos de transporte. Estes últimos, estão muito dependentes dos preços dos combustíveis.

A inflação impacta no aumento dos custos de produção de bens e serviços com efeito direto no aumento do preço de venda a praticar aquando da comercialização junto do consumidor final.

É o salário do consumidor final que “paga” a subida dos preços resultante dos efeitos da inflação.

Qual o efeito que a inflação tem no nosso salário?

Como veremos mais adiante, um salário de 1.000€ recebido catorze vezes num ano, exposto a uma inflação de 10,2%, desvaloriza num ano 748,00€, um valor médio mensal de 62,3(3)€ de perda de poder de compra. O que mais assusta é que todas as subidas de preço que estão a ocorrer com a energia, combustíveis, transportes, matérias-primas, restauração, vestuário, produtos de primeira necessidade, saúde, educação, entre outros, ultrapassam, com certeza, em valor acumulado, o valor de perda estimado.

Como podemos quantificar a perda de poder de compra? Como compreender melhor as notícias que nos transmitem?

Alguns conceitos prévios.

Salário é a remuneração estabelecida em contrato de trabalho, a receber pelo empregado, em troca da prestação de serviços e/ou da produção de bens acordada com o empregador.

A inflação, por definição, é o aumento generalizado dos preços de bens e serviços na economia. Caso se mantenham as nossas receitas (salário) adquirimos cada vez menos bens e serviços. O nosso rendimento disponível perde, portanto, poder de compra. Podemos seguir o índice de Preços do Consumidor para acompanhar a variação anual do nível dos preços (no exemplo, considerei 10,2% – fonte INE out/2022).

A taxa de atualização dos rendimentos, também conhecida por taxa de desconto, permite calcular hoje, qual o valor atual dos recebimentos futuros (no exemplo, 14 salários referente a um ano de trabalho, a obter em 2023, atualizados à taxa de desconto de 0,5% – fonte BCE, taxas de juro, 21jul2022).

Preço corrente, também designado por preço de mercado, é o preço a que um bem ou serviço é oferecido ou comprado (no nosso exemplo, o valor do salário que nos é pago em troca dos serviços que prestamos todos os meses).

Preço constante, quando o preço do bem ou serviço é avaliado ao preço de um determinado valor de referência (no nosso exemplo, a um determinado mês base, o mês de dezembro).

Como se calcula então o efeito da inflação no nosso salário?

Vejamos, o exemplo de um trabalhador que ganha mensalmente um salário líquido de 1.000,00€, catorze vezes no ano. Observa-se um rendimento futuro acumulado de 14.000 euros, cujo valor atualizado é de 13.960 euros.

O valor atual permite apurar o valor presente de cada salário futuro, tornando o valor de todos os salários comparáveis entre si.

Ao descontar todos os salários para o mesmo momento no tempo (inicial), à taxa de atualização, por ex. 0,5%, estimamos qual o valor dos salários futuros a receber, à data de hoje.

Para calcular o valor atual de 13.960 euros, pode-se recorrer ao excel: fórmulas/ financeiras/ VAL, inserindo a taxa de desconto mensal correspondente [taxa de juro mensal de 0,0416% obtida a partir da taxa de desconto anual de 0,5% conforme cálculo: (1+0,005) ^ (1/12) -1] e, também, o salário líquido a preços correntes [selecionar células entre janeiro e dezembro].

Alternativamente, pode-se calcular o fator de atualização correspondente a cada mês, entre janeiro e dezembro [jan: 1/(1+i)^1; fev: 1/(1+i)^2; mar: 1/(1+i)^3; … ; dez: (1/(1+i)^12], com i = 0,0416% = 0,000416]; e depois multiplicar cada fator de atualização pelo salário de cada mês, e apurar o valor acumulado de salários recebidos. Obtém-se o valor já estimado de 13.960 euros.

Até agora apenas valorizamos, à data de hoje, o valor dos nossos salários futuros, durante um ano, incluindo subsídio de férias e de Natal.

Vamos agora introduzir o efeito da taxa de inflação.

Precisamos primeiro de calcular a taxa mensal de inflação para apurar o fator de correção monetária mensal.

À semelhança do cálculo anterior da taxa de desconto, apuramos a taxa mensal de inflação da seguinte maneira: (1+10,2%) ^ (1/12) -1 = 0,8127%.

De igual forma, estimamos o valor de correção monetária, correspondente a cada mês, recorrendo a: [1/(1+i)^1; 1/(1+i)^2; 1/(1+i)^3; … ; (1/(1+i)^12], com i = 0,8127%; e depois multiplicamos cada fator de correção monetária pelo salário líquido a preços correntes e obtemos o salário líquido a preços constantes, com um valor atual de 13.212 euros.

Se compararmos o valor atual dos salários que recebemos com o valor correspondente dos salários corrigidos da inflação, concluímos que incorremos numa perda de 748 euros (13.960 – 13.212), que representa cerca de 75% de um dos salários recebidos (748/1000). Esta perda de rendimento significa redução do poder de compra de bens e serviços, como já referido.

Poderíamos ter apurado este valor de forma ainda mais rápida.

Precisamos apenas de calcular a taxa de atualização em período de inflação (ri) recorrendo à fórmula matemática (1+ri) = (1+r) * (1+f), em que “r” é a taxa de juro nominal e “f” é a taxa de inflação. Resolvendo em ordem a ri obtém-se ri = r + f + rf. No nosso exemplo, a taxa de atualização a usar em período de inflação é de 10,751% = 0,5% + 10,2% + 0,5%*10,2%, a que corresponde a taxa mensal de (1+10,751%) ^ (1/12) -1 = 0,8127%.

Seria suficiente calcular o VAL dos nossos salários líquidos a preços correntes, usando a taxa de atualização em período de inflação, obtendo-se o valor já apurado de 13.212 euros, dito a preços constantes.

Procedi a uma análise de sensibilidade do valor atual do salário corrigido da inflação, fazendo variar o salário e a taxa de inflação.

Conclui-se que quanto menor a taxa de atualização e menor a taxa de inflação, maior é o valor atualizado dos salários, convergindo para o valor atual inicial de 13.960 euros.

Procedi, também, a uma análise de sensibilidade do valor da perda de poder de compra, em valor absoluto, fazendo variar o salário e a taxa de inflação.

Conclui-se que o aumento da taxa de inflação reduz o poder de compra. No caso de a taxa de inflação ser próxima dos 14,21% (está em 10,2%), no nosso exemplo, representa a perda ligeiramente superior a um salário completo num ano laboral, no valor 1.011 euros.

Finalmente, ainda uma análise de sensibilidade do valor da perda de poder de compra, em valor percentual, fazendo variar o salário e a taxa de inflação.

Conclui-se que o aumento da inflação impacta em termos percentuais de igual forma em qualquer tipo de salário, obviamente em valor absoluto, como vimos atrás, tanto maior quanto maior for o salário.

Seguindo o exemplo anterior, com uma taxa de inflação de 14,21% a perda do poder de compra em termos percentuais é de 101%, o valor de um salário como se observa.

É, portanto, assustador, o ritmo de crescimento da taxa de inflação.

Quando se esgotar a capacidade do poder de compra para o consumo, caso não se ajustem os salários ao ritmo da inflação, estaremos confrontados com situações de profunda pobreza para quem compra (procura) e com reduções abruptas das receitas para quem vende (oferta), com impactos para as empresas podendo inviabilizar a continuidade das suas operações e, consequentemente, dos postos de trabalho, o sustento das famílias.

Todos os que especulam preços em contexto de inflação, são múltiplos os exemplos conhecidos a que não farei referência, que alimentam a escalada dos preços, em benefício meramente próprio, com elevados ganhos imediatos de curto prazo, estão a contribuir indiretamente para a fragilização da nossa economia e a comprometer a sustentabilidade de outros negócios e de muitas famílias.

2 thoughts on “O efeito da inflação no salário

  1. Caro Fernando, boa exposição com exemplos práticos que permitem quantificar as várias simulações e a correlação entre poder de compra e taxa de inflação. Um abraço

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