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Ausência de remédios para a “doença crónica”?
Finalmente, compete-nos fazer uma profunda reflexão, liberta de interesses específicos dos diversos stakeholders pois todos assumimos, muitas vezes, múltiplos papéis em simultâneo. A Banca, à semelhança de outras actividades, é do interesse nacional dado o papel fundamental que desempenha no suporte à economia. Esta visão é a pura realidade e não a defesa de qualquer interesse.
A resposta óbvia de todos é a recapitalização! A pergunta é “com que dinheiro”? Será este acto uma decisão estrutural ou meramente pontual por não significar uma cura para a “doença crónica”?
As poupanças do país foram direccionadas para financiar o crédito hipotecário (bens não transaccionáveis) remunerado a taxa Euribor próxima de zero ou mesmo negativa (“devora” o spread).
Muitos destes créditos (agora ativos tóxicos e pertença dos ditos “bancos maus” criados pelos mecanismos de resolução) não foram pagos, estando encarteirados como créditos não performantes (NPLs – non performent loans) ou, se aceites os seus colaterais – as hipotecas de imóveis, em dação de pagamento pela dívida contraída, integram o stock de bens imóveis – real estate, não afetos à exploração (sem mercado para a sua comercialização ou arrendamento sendo os seus custos de condomínio, de manutenção e fiscais muito elevados).
O país não tem capacidade de reposição dos seus níveis de poupança pois o crescimento do PIB é muito ténue (próximo de zero) e a taxa de desemprego continua muito elevada.
O Estado também acaba de sair de um processo de intervenção externa, cuja dívida pública foi agravada pelo valor da ajuda prestada e, por esta razão, também sem músculo para reforçar o apoio ao sector financeiro. Não esquecer que o Estado, enquanto devedor dos bancos, devia cerca de 50 mil milhões à data da chegada da tróica. Uma verba, creio, que revitalizava todo o sector financeiro português.
Os accionistas estão sem capital. Viram os seus activos cotados em bolsa desvalorizar 10 a 15 vezes, nalguns casos, e apresentam resultados negativos há mais de 5 anos, atingindo valores históricos jamais previstos.
Os investidores nacionais e estrangeiros não se sentem atraídos por sectores de fraca rentabilidade, excessivamente regulado e onde impera o espírito da resolução bancária e da expropriação do valor accionista, com o objetivo de recolha de licenças bancárias, em prol da concentração / união bancária.
A Europa também não está disponível para outras opções pois no limite olha sempre para Portugal como um mercado de fraca expressão económica financeira europeia.
Neste contexto adverso, considero que as reflexões para combater a doença da banca deverão ser:
- Qual o novo modelo de negócio de uma Banca que se exige cada vez mais digital e desejável para um sector que é o suporte da economia real?
- Como podem as novas tecnologias ajudar a desenvolver uma relação digital efectivamente remota com os clientes?
- De que forma a cloud pode ajudar a criar novas soluções de back-office escaláveis, flexíveis para integrar os diferentes processos da Banca, inovadoras que permitam um adequado time-to-market e que só acarretem custo quando forem usadas, se possível com reduzido investimento inicial?
- Como rentabilizar a informação (um activo extremamente valioso da empresa sempre que usado) existente sobre o cliente?
- Que actividades continuam a ser core da Banca?
- Que actividades não core devem ser externalizadas de forma a transformar custos fixos de infra-estrutura em custos variáveis?
- Que parcerias estratégicas deverão ser estabelecidas?
- Como devemos acomodar o reenquadramento profissional de colaboradores – aquisição de novas competências na área digital, que estão “velhos” para (re) iniciar no mercado de trabalho e “novos” para se proporem à reforma?
- Por que razão se continua a regular e legislar preçário (Interchange Fees, TAEG, Atm’s, Comissões diversas, etc) relativo aos serviços que a Banca presta aos clientes fragilizando ainda mais o modelo de negócio? Será que as razões invocadas para que tal suceda se aplicam aos demais sectores de actividade?
- Como resolver a deficitária margem financeira? Urge inverter a rentabilidade negativa crónica, ou “em cima de zero”, do activo do Balanço – o crédito concedido, pois representa a principal receita dos Bancos. A taxa de juro de um empréstimo tem forçosamente de remunerar o capital investido no crédito assim como o custo de oportunidade (uso alternativo) desse capital e cobrir os riscos de crédito e de incumprimento. O risco de taxa de juro negativa (euribor negativa que devora spread) não é atractivo para o credor nem para o depositante (o financiador do crédito). Isto significa que nem o Banco recebe proveito (juro) pelo crédito que concede (o incentivo para fazer crédito) nem o depositante é convenientemente remunerado pela poupança que deposita na Banca (o incentivo para realizar depósito). A instabilidade da sustentabilidade da Banca e a fraca atractividade das taxas de juros de depósitos podem influenciar os clientes a reterem o dinheiro “debaixo do colchão”ou simplesmente a direcciona-lo para o consumo, em detrimento de realização dos tradicionais depósitos (a poupança do país). Dois impactos imediatos: (i) a banca de retalho tradicional, que é suportada numa vasta rede de captação de depósitos (as agências) deixa de fazer sentido (aliás já está extremamente ameaçada pelo incremento inevitável dos canais digitais no que respeita a transaccionalidade e venda de produtos simples) pelo que equaciono qual será o novo modelo de distribuição (canais de venda) a operacionalizar. (ii) a redução de depósitos enfraquece a capacidade de concessão de crédito dos Bancos. Questão: não deveria estar implícito na concessão de crédito uma taxa mínima (indexante acrescido de spread) que não subvertesse o negócio de quem financia o capital permitindo desta forma uma adequada remuneração dos depositantes, a principal fonte de funding das economias?
- Como “limpar” o balanço da Banca dos activos que consomem capital? A Banca está confrontada com uma crise profunda de Balanço resultante da fraca rentabilidade do activo (já referida) e da originação permanente de provisões e de imparidades que devoram o reduzido resultado operacional e consomem muito capital, um recurso muitíssimo escasso. Urge sanear o lado do activo do balanço (questionando-se quem financia) que considero que não foi equacionado aquando a intervenção da tróica. Não esqueçamos que as orientações das entidades reguladoras se centraram, essencialmente, na recapitalização / reforço de capital (que significou uma intervenção somente do lado do passivo do balanço). Mais uma vez reforço que a recapitalização pressupõe que existam investidores disponíveis no mercado para investir num modelo de negócio débil e de fraca remuneração do capital aplicado. Questão: mantém o sector bancário, nacional e europeu, capacidade efectiva para atrair novos investidores?
- Qual o novo modelo de regulação a adoptar uma vez que o atual mostrou ser totalmente ineficiente?
É obrigatório repensar o modelo de negócio bancário a nível europeu. Existe uma relação causa efeito entre o volume de negócios (apoio creditício que se pretende prestar à economia real) e o capital investido (requisito de capital próprio que é necessário investir por cada euro emprestado). Os objectivos de crescimento (de volumes de crédito) devem ser consistentes com a capacidade operacional de gerar fluxos de caixa (o valor das prestações / rendas e comissões cobradas aos clientes). Deve pois existir balanceamento entre crescimento e rentabilidade. A taxa de crescimento, dita sustentável – que pressupõe não existirem quaisquer aumentos de capital, determina que o crescimento do capital próprio decorre somente dos resultados líquidos retidos (entenda-se a última linha da demonstração de resultados explicada). A rentabilidade do capital investido (relembro que a Euribor subverteu por completo esta rentabilidade) deve ser superior ao capital investido (ao custo dos fundos próprios, ao custo das poupanças dos clientes e ao próprio custo de oportunidade). Só assim a Banca (ou qualquer empresa) pode criar valor e ser sustentável. Não será?
Devemos ter presente que a banca continuará sempre a ser necessária. A forma como intervirá no mercado é que poderá ser diferente. A banca dita transaccional tenderá a ser cada vez mais uma commodity e cada vez mais desmaterializada pela transformação digital, enquanto a banca de retalho e a banca de investimento continuarão a suportar-se no aconselhamento financeiro especializado, o que considero extremamente saudável para o crescimento e desenvolvimento económico dos países.
Parabéns
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